Barba de bode
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Foi recolhida, segunda-feira
última, no Hospício Nacional, vítima de uma erva erroneamente receitada por um
herbanário dos subúrbios, a encantadora senhorita Carmélia Passos, filha única
e inteligentíssima da viúva Carlota Passos, proprietária nesta capital.
Eu desconhecia ainda este caso, e
já aplaudia com todo o meu coração a atitude da Saúde Pública, perseguindo,
punindo, combatendo com as armas da lei a praga dos curandeiros. E aplaudia-a
com a lembrança, apenas, de um episódio doloroso, que me fora narrado, semanas
antes, pelo meu prestimoso amigo o Sr. senador Elói de Souza.
O coronel Raimundo de Araújo,
comerciante em Natal, capital do Rio Grande do Norte, havia entrado na casa dos
sessenta anos quando, após quatorze de viuvez, entendeu de contrair novas
núpcias com uma sólida moçoila de São Gonçalo. Pedida, porém, a rapariga,
começaram as complicações, as dificuldades, os obstáculos e, com eles, o adiamento
da cerimônia. Homem de idade avançada, sujeito, portanto, ao efeito das emoções
violentas, o coronel, assim que ficou noivo, começou a declinar de forças, de
coragem, de saúde, e de tal forma que, após um mês de noivado, parecia haver
envelhecido dez anos. Aflito, impressionado, combalido, o abastado comerciante
recorreu, e sempre inutilmente, a todos os médicos da cidade. E já estava quase
desiludido da cura e da vida, quando um seu compadre, o capitão Ferreira,
tabelião aposentado, a quem participara a sua infelicidade, lhe perguntou,
interessado:
— O compadre já usou chá de barba
de bode?
— Barba de bode? — indagou o
outro, espantado.
— Sim. Pega-se todo o dia um
punhado de barba de bode, faz-se um chá bem forte, e toma-se três vezes por
dia.
E acentuou, sincero:
— É um santo remédio, compadre!
Animado com a nova esperança; o
coronel Araújo mandou chamar à sua casa de negócio um caboclo de Currais Novos,
o Antônio Severo, grande criador de caprinos naquela parte do sertão, e, sem
lhe dizer para que era a encomenda, pediu que lhe mandasse na primeira
oportunidade, e a qualquer preço, um saco com barbas de bode.
— Que quantidade, coronéo? —
indagou o sertanejo.
— Uns dez quilos.
Duas semanas depois recebia o
coronel Araújo a sua encomenda, entrando, de pronto, no uso da medicina
receitada. À medida, porém, que tomava o chá, sentia efeitos exatamente opostos
àquele que esperava: uma vontade doida de chorar, de berrar, de bodejar
lamentosamente, e, sobretudo, um desejo irresistível de fugir às mulheres. No
fim de um mês, a situação do enfermo era, mesmo, desesperadora: magro, nervoso,
espumando pelo canto da boca, passava as noites na rua, encostando-se às
paredes, às árvores, às pedras das estradas, nas proximidades do porto, do
mercado e do quartel, e em estado tal de desmoralização que os amigos,
penalizados com a sua infelicidade, tiveram de mandá-lo internar, com
recomendações especiais do Dr. Ferreira Chaves, então governador do Estado, em
uma casa de saúde de Pernambuco!
Esse desfecho de uma vida honrada
e laboriosa impressionou, como era natural, o meio em que vivia o conhecido
negociante. Quem, entretanto, mais pensava naquele infortúnio era o seu
compadre Ferreira, autor da receita. Preocupado com o caso, e sem encontrar
para ele uma explicação aceitável, ia o velho tabelião um dia pela praça do
mercado quando sentiu, de repente, uma pancada no ombro. Era o Antônio Severo,
de Currais Novos, que havia chegado naquele dia com uma partida de couros. A
figura do sertanejo avivou-lhe, naquele momento, uma lembrança; e como esta
fosse teimosa, forte, renitente, o velho Ferreira não se conteve, e indagou:
— Diga-me uma coisa, Severo: o
coronel Araújo não lhe fez, quando você esteve aqui da última vez, uma
encomenda de barba de bode?
— Fez, sim, senhor; e eu mandei,
logo que cheguei lá.
— E você tem certeza de que era,
mesmo, barba de bode?
Ante essa insistência, o matuto
sorriu, cuspiu longe, por entre os dentes, e, com a sua vozinha de ingênuo e de
esperto, confessou:
— Home, "seu" capitão,
garantir eu não garanto. O coronéo me encomendou, é verdade, dez quilos de
barba de bode. Mas porém, onde eu ia achar bode p'ra tanta barba? E como pensei
que desse tudo na mesma coisa, mandei mesmo de cabra!
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