Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Chegado do interior de Minas,
onde nasceu, vive, e não sabe se morrerá, o capitão Venâncio Pimentel, coletor
em Poço Fundo, ficou deslumbrado com o Rio de janeiro. Com uma dezena de contos
no bolso, provenientes da arrecadação semestral da coletoria, tomou o simpático
sertanejo a deliberação de conhecer a cidade, guiando-se por si mesmo,
dispensando, em tudo, o auxílio de estranhos. Teatros, cinemas, restaurantes,
subúrbios, estabelecimentos públicos, tudo isso recebeu, de passagem, a visita
da sua curiosidade.
Nada, porém, lhe causou tanta
admiração, como a quantidade de mulheres desacompanhadas que encontrava na rua,
principalmente nas proximidades do ponto dos bondes do Jardim Botânico, depois
das nove horas da noite. Adivinhando-lhe a procedência, e farejando-lhe o
dinheiro, essas criaturas infelizes acercavam-se do forasteiro, olhando-o de
esguelha, sorrindo-lhe com brejeirice, num desafio maneiroso e calculado. Ele
fixava então, a leviana, que tomava o bonde, e acompanhava-a até a Lapa, até o
Catete, ou até a Glória, de onde voltava ao ponto de partida, para
experimentar, de novo, quatro, cinco, seis, oito vezes, as mesmas sensações da
conquista.
Uma destas noites, ia eu tomar o
carro, às onze horas, em companhia do Sr. deputado Antônio Carlos, quando este
descobriu, no ponto de costume, o capitão Venâncio, a quem me apresentou,
contando-me, ao mesmo tempo, a fraqueza do seu velho correligionário e
concidadão.
— Que gosto acha o senhor nessa
extravagância, Sr. Pimentel? — perguntei eu, escandalizado, ao mineiro,
acentuando as palavras com a tonalidade proposital da minha censura.
— Gosto? — atalhou o sertanejo. —
Gosto, eu não acho nenhum. Eu acho é engraçado.
— Engraçado? — estranhei.
— Sim, senhor. Eu faço isso para
me lembrar de Minas, das minhas caçadas no Poço Fundo. Cada mulherzinha dessas
é mesmo que perdiz.
— Perdiz? — interveio o Dr.
Antônio Carlos, admirado.
— Sim, senhor. Vossa senhoria
nunca andou caçando perdiz?
E explicou, ajudando a palavra
com a mímica:
— A gente vai, às vezes, pelo
mato, pisando aqui, pisando ali, cauteloso com a espingarda calada, quando
ouve, de repente, um barulho no chão, entre as folhas. Olha, e vê: é a perdiz
que está no folhedo, imóvel, quieta, olhando p'ra gente. Sentindo-se
descoberta, solta um voo baixo, rasteiro, junto do solo. A gente não atira: vai
andando, vai seguindo, vai acompanhando a bicha, até que ela, afinal, chega no
ninho.
— E quando a perdiz chega no
ninho, que é que faz? — indaguei, curioso.
E o capitão, rindo:
— Que é que faz? Deita-se!
E saltou para o estribo de um
bonde, espantando uma revoada...
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