Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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A coisa mais fácil de inventar,
é, neste mundo, o tônico para cabelo. Não há barbeiro por mais modesto e
preguiçoso, que não possua a sua fórmula prestigiosa, destinada a fazer
rebentar uma cabeleira encaracolada na calva mais rebelde e, se possível, numa
bola de bilhar. Quanto à utilidade real dessas loções, desses tônicos, dessas
tinturas miraculosas, prova-a o número, sempre crescente, de carecas, existente
no Rio de janeiro.
O mais curioso é, no entanto, o
entusiasmo, a fé, a convicção, com que os "fígaros" fazem a
propaganda do seu preparado. Concluída a barba do freguês, o bárbaro,
empunhando ainda a navalha, propõe à vítima:
— Vamos, agora, a uma fricção do
nosso tônico?
Agredido assim, o freguês encara
o agressor, medindo-o de alto a baixo, com raiva; ao dar, porém, com os olhos
na lâmina faiscante, aberta a dois palmos do seu pescoço, capitula,
forçosamente, concordando, desarmado:
— Ponha!
Autorizado a cometer o crime
nefando, o barbeiro passa, então, a fazer o elogio do seu remédio.
— É um prodígio, senhor doutor! —
assegura. — Se ele caísse numa pedra, no chão, a pedra criaria cabelo!...
O mais curioso propagandista
desse gênero foi, entretanto, o de que deu notícia, há muitos
anos, na imprensa do norte, um saudoso jornalista paraense. Apanhado, certa
vez, de surpresa, em uma cadeira de barbearia, esse mártir foi intimado, de
súbito, pelo homem da navalha:
— Então, uma loçãozinha para
nascer o cabelo; não?
O desventurado ia recusar
terminantemente a proposta, mas o barbeiro atalhou, abrindo a navalha:
— É um verdadeiro milagre, o meu
preparado. Basta cair na calva, para o cabelo começar, logo, a nascer. É
assombroso! É prodigioso! É formidável!
E enquanto esfregava na cabeça do
freguês a água do pote perfumada, contou:
— O senhor quer ver o que é a
minha loção? Uma vez, estando eu a fabricar este preparado, peguei um jarro,
que estava cheio dele, e coloquei-o em uma prateleira, pregada à parede.
Debaixo da prateleira, que é alta, ficava o meu baú, um baú grande, de couro
curtido, todo pregueado, daqueles antigos, sólidos, enormes, que se faziam em
Portugal. Pois, bem; o jarro, que estava rachado, começou a vazar o líquido na
prateleira, que o fazia cair, por seu turno, sobre o baú; e de tal forma que,
na dia seguinte, ao abrir a porta encontrei o baú...
— Molhado, não? — interrompeu o
jornalista.
E o fígaro, sério:
— Não, senhor; coberto de cabelo!
E esfregou-lhe a careca, com
força.
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