Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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D. Eleonora havia mandado chamar
o seu primo, o Dr. Alfredo Bonifácio, para uma consulta íntima, sobre diversos
remédios que lhe haviam recomendado, quando abriram inesperadamente o portão da
casa.
— É o Augusto! — exclamou,
horrorizada, a pobre senhora, apanhando com o pente os lindos cabelos em
desordem.
E torcendo as mãos, aflita, a
andar de um lado para outro da sala de jantar:
— Minha Nossa Senhora! que
horror! que eu hei de fazer, meu Deus!...
E ia, já, nos extremos da
aflição, da angústia, do desespero, quando, abrindo a porta que comunicava
aquele compartimento com a cozinha, teve uma ideia providencial:
— Esconde-te ali, Alfredo!
Depressa! anda! anda!
E empurrou o primo, com o chapéu
na mão, para dentro da despensa completamente às escuras.
O velho magistrado não era,
felizmente, homem de grande perspicácia, desses que advinham a passagem de
estranhos por obra e graça do indício mais simples. Casado em segundas núpcias,
confiava na mulher como confiava no Código. E enganando-se, tanto com o Código
como com a mulher, foi com a alma tranquila, calma, satisfeita, que penetrou em
casa, naquela noite, após uma palestra sisuda na residência do presidente do
Tribunal.
Aberta a porta, o ilustre chefe
de família entrou, e, pendurando a cartola na chapeleira, sentou-se, grave, à
mesa do chá, ao lado da esposa carinhosa. E ia contar-lhe a sua conversa com o
outro sacerdote da Justiça, quando ouviu um barulho de garrafas na dispensa
Que é isso? Ouviste, Eleonora? —
exclamou, assustado.
A mulher empalideceu, e ia,
talvez, comprometer-se com uma denúncia, quando o velho, ouvindo de novo o
barulho, se levantou de repente, encaminhando-se, firme, para a porta da
despensa.
— Quem está aí? — gritou o
magistrado, com o terror na garganta...
Na despensa escura, semeada de
garrafas de cerveja e águas minerais, a situação do Dr. Bonifácio era
delicadíssima. De pé, no meio do compartimento, não podia, sequer, mexer-se.
Cada passo que aventurava, era um desastre, uma calamidade, que ia despertar,
fora, com um rumor de vidros partidos, a atenção do dono da casa. Ao terceiro
barulho, o velho tornou, severo, com o revólver em punho:
— Quem está aí?
E estava, já, resolvido a
conformar-se com o silêncio das vezes anteriores, quando uma voz surda, cava, soturna,
respondeu, de dentro:
— São as garrafas...
Satisfeito com a descoberta, o
magistrado embolsou o revólver, e voltou, sereno, a tomar o seu chá.
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