Às Ave-Marias
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Junho.
Poente cor de ouro velho por trás de montanhas saudosas, recortando os
píncaros escuros na tela côncava do céu. Azul vazio de sol a leste, onde não
tardarão a desabrochar as flores prateadas das estrelas.
Nem um sopro áspero, neste inverno que rompe!
Mar chão,
achatado, polido e de aço, desdobrando-se para além da barra numa infinda
amplidão. Faixa larga de praia clara, extensa, curva, brilhante.
Um vulto triste de mulher se destaca, numa meia tinta cinzenta, de pé sobre
a lombada de um cômoro. Está à porta da sua choça, numa imobilidade de estátua,
tendo ao colo uma criança.
É a esposa do pescador.
Ela olha melancolicamente as quietas águas planas e, com o braço direito
estendido, mostra ao filhinho inocente a vela branca de um barco que se afasta
para longe...
As primeiras badaladas das ave-marias rolam na paz ermal dos campos.
E ondas de filó negro, etéreo, impalpável sepultam tudo em torno,
enchendo-nos o coração de uma irreprimível saudade de extintos amores e gozos
evocados vivamente, no espírito, pela nostalgia desoladora da hora!
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