Aparências
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Em toda a rua São Gabriel,
naquele movimentado bairro operário, o assunto mais em evidencia era, há muitos
dias, aquele: a saída furtiva, a horas altas da noite, daquela rapariga tão
linda, desde que lhe morrera o marido.
— É uma falta de vergonha, D.
Inácia, o que está fazendo aquela desalmada — informava, de janela para janela,
a vizinha da direita. — Ainda ontem, à noite, eu fiquei de alcateia aqui por
dentro da rótula, e vi tudo: a atrevida esperou que se fechassem todas as
casas, abriu a porta, espiou para um lado e para outro, e, como não visse ninguém,
pôs um xale, e saiu. Imagine o que ela não foi fazer por ali...
— Dizem que vai para um clube
dançar o maxixe com o Manoel português, — adiantava D. Inácia.
— A Vitalina, outro dia, quando
voltava do baile do Alfredo, alta madrugada, encontrou-se com ela, que saía de
casa. A desnaturada ficou tão envergonhada que cobriu o rosto, para não ser
conhecida.
— Que mulher cínica! — terminava
uma.
— Que falta de vergonha! —
confirmava a outra.
Divulgada a notícia do escândalo,
toda a rua ficava, horas e horas, à espreita, aguardando, pelas frestas das
janelas, a saída clandestina da viúva. E quando esta desaparecia, ao longe, na
esquina, as rótulas se escancaravam, as cabeças emergiam, e começavam as
observações!
— Viu?
— Vi!
— Sim, senhora! Quem diria?!...
— Que escândalo!
— Que horror!...
Certa noite, porém, instigados
pelas mulheres, resolveram alguns operários acompanhar de longe a notívaga,
fiscalizando-lhe os passos, para desagravo do morto. Pé ante pé, espiando de
canto em canto, escondendo-se pelos portais, andaram os homens de rua em rua,
até que foram ter a um campo deserto, em frente a um mercado. E ali viram,
enxugando os olhos rasos de pranto: a "pervertida" saía todas as
noites, embuçada na treva, para disputar aos porcos, no monturo, uma fruta
podre, para a fome do filho!...
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