Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Aconselham todas as autoridades
que têm tratado do assunto, que é conveniente procurar os governantes de um
estado, de um país, de uma cidade, entre as pessoas que conheçam o presente e o
passado, portanto, a história desse estado, desse país, dessa cidade.
Durante algum tempo, esse
critério foi obedecido; mas desde que as várias partes do país quiseram ter uma
maior autonomia e governadores, que as conhecessem perfeitamente, o país
começou a ter à testa do seu governo os mais ignorantes e desconhecedores de
sua vida passada, dentre os magnatas que sempre acompanham os grandes chefes.
Vinham hindus, tabajaras, gregos,
árabes e até um chinês a governá-lo, sem conhecer sequer a capital.
Em certa ocasião, veio dirigi-lo
uma bela pessoa, mas que, da capital, só conhecia as ruas principais, o bairro chic e os conventos.
Nascera em província longínqua e
nela passara apenas a mocidade, e parte da virilidade, passou-as em Portugal.
Nem pela planta conhecia a
cidade; nem pelos antigos conhecia a sua história; mas, como não havia quem
quisesse o lugar, fizeram-no governador do país e ele se entronizou no governo
com a maior boa vontade.
Os nossos governantes quando
querem mostrar atividade fazem-se estadistas visitantes. Mal tomam posse, mal
se sentam na curul governamental erguem-se logo, arrepanham meia dúzia de
“toma-larguras”, sorridentes e mesureiros, e põem-se a visitar este ou aquele
estabelecimento.
O novo governante, para não
desmentir a tradição, deu logo em visitar os principais estabelecimentos que
dependiam de sua autoridade.
É um modo de governo fácil hoje,
em que há automóvel e ruas asfaltadas, mas que seria agradável há um século,
quando se andava de sege, traquitana, liteira ou mesmo nas costas dos machos.
O gerente da metrópole, portanto,
não sofreu muito com seus constantes deslocamentos e fez descobertas na cidade
que era sede do governo, imprevistas e nunca suspeitadas por ele.
A primeira coisa que ele notou
foi que a cidade era muito maior que aquela em que nascera. Ele a julgava assim
duas vezes e pico; viu, porém, que o era cem vezes.
Outra coisa que notou foi que os
subúrbios tinham casas de pedra e cal. O presidente imaginava que neles só
houvesse choupanas, palhoças e barracões. Isso alegrou-o muito porque podia
aumentar os impostos.
Observou ainda o governador do
país que, nos arredores, nas freguesias distantes, não havia cafezais, como
acontecia nas circunvizinhanças da sua terra natal.
Não gostou muito da coisa, pois
lhe parecia que em toda a parte devia haver fazendas de café e engenhos de
açúcar. Fatalidade da imagem que se grava na infância...
Depois de ter visitado o seu
governo, deu em visitar sociedades sábias. Foi até aos arquivos especiais que
eram dirigidos por um funcionário competente, zeloso e conhecedor do ofício
como poucos.
Logo este funcionário quis
mostrar à alta autoridade os papéis mais curiosos que havia. Como o alcaide-mor
era especialista em coisas de eleições, o chefe dos arquivos disse:
— Quer vossa excelência ver as
atas de eleições dos tempos coloniais?
— Como? Eleições nos tempos
coloniais! O regime representativo só foi instituído depois da Independência...
— Vossa excelência se esquece do
Senado da Câmara.
— Senado da Câmara! Senado é uma
coisa e Câmara é outra.
— Vossa excelência há de me
permitir...
— Qual, doutor! Se o senhor tem
esses papéis, deve mandá-los para o governo central. Vou falar ao seu chefe
para mandar tudo isso para o Arquivo Geral da Nação. É a ele que compete
guardar coisas do Senado e da Câmara. Mande-os quanto antes.
O funcionário caiu das nuvens e
nada disse. Ainda rondou a suprema autoridade pela repartição; dado momento,
perguntou, olhando uma vitrine:
— Que vara é aquela?
— É uma vara de almotacé!
— Isto não deve estar aqui.
— Por que, vossa excelência?
— Por quê? A Igreja não está
separada do Estado? Aquilo é negócio de padre, de procissão... Mande já tudo
para o cardeal.
Após tomar tão sábias medidas, o
presidente saiu e continuou com as suas boas intenções a assinar os decretos
que o esperavam sobre a sua mesa.
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