11/05/2017

A surpresa (Conto), de Humberto de Campos


A surpresa

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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Educada no tumulto das rodas elegantes, cujas festas mundanas frequentava desde criança, Mlle. Altair havia se tornado, aos dezessete anos, uma das moças mais em evidência na sociedade do Rio de janeiro. O pai, médico ilustre, mais devotado à família da ciência do que, talvez, à ciência da família, descurava, em absoluto, as pequenas coisas do lar. E era de tal forma, nesse ponto, a sua despreocupação, o seu descaso ingênuo, mas prejudicial ao próprio conceito, que Mlle. Altair se tornou notável, em breve, na cidade, pelo exagero escandaloso dos seus vestidos.

As suas "toilettes" eram, realmente, clamorosas, e em inteiro desacordo com a inocência da sua idade. Trajando sempre as fazendas mais leves, a sua preocupação, sugerida por figurinos inadequados, consistia em deixar à mostra a perna, até o joelho, e o colo, até o estômago. Quanto ao resto do corpo, não havia quem não o adivinhasse na transparência indiscreta do crepe da China ou da seda lavável, que lhe modelavam sensualmente, num abraço voluptuoso, os seios túrgidos, a cintura flexível, as ancas ondulantes, patenteando, como num desafio à bestialidade humana, o conjunto harmonioso das formas.

Um dia, foram os círculos elegantes surpreendidos com uma notícia sensacional: o Dr. Edmundo Figueira, um dos espíritos mais equilibrados e vigorosos da nova geração de juristas brasileiros, havia pedido em casamento Mlle. Altair Sobreira, formosíssima e conhecidíssima filha do Dr. Peixoto Sobreira!

Realizado o casamento, em que a noiva se apresentou mais nua do que nunca, e despedidos os convidados, penetraram os noivos, felizes, na alcova nupcial. Envolta, de leve, na seda finíssima, ou, antes, na névoa imperceptível do vestido, a recém-casada fazia lembrar as estátuas de mármore, veladas convencionalmente para o momento da inauguração. Anfitrite, com os pés mergulhados na espuma e vestida, apenas, pela bruma fugitiva do Arquipélago, não seria, talvez, mais nua, e mais bela!

Entreolhavam-se, os dois, na alcova silenciosa, ninho de ouro e seda armado para um casal de pombos amorosos, quando o noivo se adiantou, e, sorrindo, anunciou a moça, tomando-lhe, carinhoso as mãos geladas e brancas:

— Sabes, meu amor, que eu te preparei uma novidade?

— Tu? Que é? — indagou a noiva, casando, de repente, a curiosidade à aflição.

O noivo suspendeu os travesseiros da cama, e, tirando dali uma camisa de noite, trabalhada em seda branca, e opaca, afogada até o pescoço e descendo até o tornozelo, pediu:

— É para que me faças uma surpresa, dando-me uma sensação inédita nesta noite de casamento.

E entregando-lhe a camisa:

— Eu nunca te vi... vestida!...

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