A nota
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Por ocasião de passar pela Índia
naquela minha vertiginosa volta ao redor do planeta, toda a gente está lembrada
que perguntei ao caixeiro do hotel em que almoçava se a lebre que eu acabava de
comer havia miado quando pegaram-na.
Lembram-se ainda de que eu a comi
vagarosamente, voluptuosamente; e que, só pelo fim do almoço, fiz tão inocente
pergunta ao garçom. É da minha filosofia culinária que garoupa é cação com um
molho especial; e nisso não faço mais que generalizar a sentença dos sábios que
a substância que forma as coisas, vivas e inanimadas, é uma única com
aparências diversas e manifestações várias. Tudo vai do molho; tudo vai da
aparência.
Se o está na carreira, é um
mineral vulgar; se o trabalhou Rodin, é divino. Fui seguindo tão insignificante
ordem de ideias, em presença da denúncia de que, ontem, ao acabar meu jantar,
num pequeno restaurante barato, perguntei ao copeiro:
— Filho, o leite com que se fez
esta manteiga foi tirado pela teta?
— Não sei, não, senhor.
— É sábia a sua ignorância.
Demais, eu nada tinha que
perguntar. Eu não comi sebo, comi manteiga, bem que a queria comer, e como tal tinha saboreado e o pus
respectivo.
Sebo pode ser manteiga, desde que
o meu paladar queira assim; e o meu paladar é de pobre sobremaneira domesticado
à intensa civilização do nosso tempo.
A questão dos quiosques tem sido
para o Rio de Janeiro uma questão obsedante. Vem agitando a opinião há muitos
anos e, há dias, vimos a que extremos pode chegar esse irritante problema.
Nessa coisa toda há um pequeno mal-entendu. Os quiosques não são assim
tão indignos de uma cidade civilizada como se quer fazer supor. Paris os têm e
muitos. Tudo se resume em fazê-los mais próprios, isto é, limpos, elegantes
para que eles preencham um alto fim estético, qual o de enfeitar e quebrar a
monotonia das grandes ruas e praças. No seu destino também não se devia permitir
que os quiosques fizessem cozinha e vendessem bebidas alcoólicas ou
fermentadas; tão somente deviam vender cigarros, fósforos, selos, estampilhas
etc. etc.
Dessa maneira, ver que se
transformassem em núcleo de cachaceiros, alguns quiosques graciosos,
convenientemente espalhados por larga rua de 33 e comprida de dois quilômetros,
enfeitavam-na positivamente, pois leva a fazer dessas ruas não ser uma escola
de tédio, mas uma classe de enfado; o calçamento igual, polido e úmido; o
alinhamento tiranicamente retilíneo, a altura igual das casas e a sua
arquitetura pouco variada.
Por hora, nós recebemos essas
coisas como novidade; mas em França, segundo li há tempos no Mercure de France, já há quem se queixe
da uniformidade dos seus boulervards.
É justo que, atendendo-se ao
capital empregado pela companhia de quiosques, se procure resolver a questão,
consultando tanto os interesses dela como os da população. E o único seria o de
modificar a feição dos atuais, fazendo-os limpos, elegantes e airosos, como os
que a própria companhia mandou buscar, e que o prefeito Passos não consentiu
que ela os armasse.
O fabricante de Rodin não é pouco
criminoso do que a divindade oculta que faz com que um bastão mospulgarlhado me pareça quebrado,
quando não está.
Ele me engana com seus rótulos
sugestivos, com o colorido que dá ao seu artefato musical, abusa da minha
faculdade de argumentação das coisas, mas também me engana quem me organizou de
maneira a encontrarem-se trilhos que nunca se encontram.
É no fundo, o tal fabricante do
Rodin, um metaplugas. Experimenta
nossa grande população a força e o poder das imagens preconcebidas, e a
credulidade dos nossos sentidos.
O governo, ao meu ver, deve lhe
apreender a manteiga; mas, à de uma Academia própria, é conveniente que o mande
para a de Letras ou para o Instituto, com uma pensão.
Phileas Fogg.
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