A manicura
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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O merceeiro Agostinho Pereira
Alvares, proprietário de um dos estabelecimentos mais afreguesados do Engenho
Novo, não havia saído, jamais, do seu bairro, para fazer a barba e cortar o
cabelo. Sempre que, de dois em dois meses, lhe vinha a ideia de praticar essas
medidas higiênicas, mandava ele chamar o barbeiro à sua casa de comércio,
submetendo-se à tesoura e à navalha do fígaro em um compartimento nos fundos da
mercearia.
Um destes dias, porém, com a notícia de que toda
a cidade entrava em melhoramentos para receber o soberano dos belgas, resolveu
o futuro capitalista vir, também, à zona urbana, para uns reparos estéticos na
sua própria pessoa. Tornava-se preciso que o rei o encontrasse de cabelo
cortado e barba feita, e era evidente que esse trabalho só podia ser efetuado
por um verdadeiro mestre da arte, como deviam ser, naturalmente, os do centro
da cidade.
Tomada essa deliberação, meteu-se
o acreditado comerciante, sábado último, em um bonde, e saltou na rua Floriano
Peixoto, enfiando-se, pressuroso, pela primeira barbearia que encontrou aberta.
— Cabelo e barba! — pediu,
arrogante, libertando-se, com um soco, do formidável colarinho que o asfixiava.
Enfiada, que foi, a toalha pelo
pescoço do freguês, começou o barbeiro, um mulato de nariz de batata e
cabeleira revolta, a tosquiar a vítima. Terminado o serviço, que não primava,
aliás, pelo asseio, o fígaro convidou-o, gentil:
— O "comendador" não
quer "fazer" as unhas? Nós temos, aí, para os fregueses, uma boa
manicura...
Nesse momento apareceu à porta
dos fundos, escandalosamente decotada, e rescendente de si mesmo, uma cafusa de
dentes alvíssimos, que cumprimentou, sorrindo; o Agostinho. O merceeiro
correspondeu ao cumprimento, olhou as unhas formidáveis, que ele costumava
aparar com a faca de cortar sabão, e aquiesceu, condescendente:
— Vamos lá ver isso! Vamos lá!
Uma hora depois, com os dedos
ardendo, e com as unhas cortadas até o sabugo, saía o honrado negociante a
porta da barbearia, regressando, de pronto, ao Engenho Novo.
No dia seguinte, à tarde, foi,
porém, a rua Floriano Peixoto alarmada por um vozerio infernal. Avisado do
caso, o guarda civil correu para o local, e viu: no salão da barbearia, andando
de um lado para outro, como um possesso, o Agostinho, do Engenho Novo,
trovejava, indignado:
— Patifes!... Canalhas!...
Ladrões!... Estavam os dois combinados para essa traição, os miseráveis!
Penetrando na casa, o guarda
interveio:
— Que é isso, camarada? Que foi
que aconteceu?
E o merceeiro, apoplético:
— Foi este homem; este barbeiro,
que, de combinação com aquela mulher, me fez uma patifaria, uma canalhice, uma
perversidade. Eu vim aqui para cortar o cabelo, e ele me pôs na cabeça uns
piolhos; e para que eu não os pudesse tirar, chamou a mulher, e mandou-me
cortar as unhas. Veja isto!
E com as grandes mãos estendidas,
mostrando os dedos enormes, de sabugo à mostra:
— Canalhas!... Patifes!... Miseráveis!...
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