A Héctica
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Ela costumava passear todas as manhãs, à sombra das altas árvores copadas, na larga rua arenosa e agreste daquele arrabalde.
Eu via-a passar muito pálida, de
uma fragilidade de lírio, vagarosa e ofegante, com esse ar indiferente e
desolado das moléstias crônicas, que sugam pausadamente, sorrateiramente a
vida. Tinha o olhar lânguido, frio e saudoso das pessoas exaustas, perdidas,
que se sentem desmoronar aos poucos.
Trazia
sempre um waterproof azul-marinho,
com uma fita de seda preta envolvendo-lhe a cintura delgada, e cujas pontas
esvoaçantes caíam-lhe, por detrás, em laço. Nos seus ombros curvados, e pelas
espáduas deformadas e ósseas, o grosso tecido de lã murchava desoladoramente,
em pregas longas e tristes.
O pai, um
velho magro, de fisionomia agradável e respeitosa, ainda ereto de robustez, os
cabelos algodoados pelos anos, o ar gentleman, dava-lhe com segurança o braço e a
envolvia, muito carinhoso, em animações tão meigas e consoladoras, pronunciadas
a voz forte, que ela chegava a sentir, por momentos, alagar-lhe o coração ondas
de saúde, de envolta com essas palavras!
Achava-se
até melhor, mais rija, naquela grande esperança que acompanha intimamente os
tísicos, e vinham-lhe sorrisos rápidos, que lhe faziam contrair levemente os
lábios desmaiados, deixando a descoberto a claridade alinhada dos dentes sãos;
fitava o velho com alegria, com ternura: era a sua saúde!
Mas logo
depois, o nervosismo, o histerismo faziam-na cair numa nostalgia funda, de
todas as horas, num pressentimento vago e fatal de túmulo próximo; e então
desatava a chorar perdidamente, aparecendo-lhe, com mais violência, uma tosse
seca e tilintante, acompanhada de ruídos soturnos na caverna do peito e
borbotões quentes de sangue vivo...
Uma manhã, deixou de dar o seu
passeio costumado. O Azul estava fresco e cintilante, alastrado de luz, cheio de
aromas e cantos, cortado da alegria da terra. O sol surgia claro e magnífico,
confortador e bom.
Passei todo
o dia com a imaginação cheia da lembrança dela, preocupado, temeroso, na
incerteza do que lhe teria acontecido. À tarde, um tropel de gente, no rumor
discreto e pacato daquele arrabalde provinciano, fez-me chegar repentinamente à
janela.
E
deparou-se-me a cena lutuosa de um cortejo fúnebre: um esguio féretro azul
balouçava, carregado por seis homens, das alças finas de veludo. Acompanhava-o
um grande séquito de luto. E um velho alto, descoberto, a figura espectral, a
cabeça alvíssima inclinada sobre o peito, como ao peso de uma desgraça, seguia,
com passos incertos, à cabeceira do caixão. Tinha os olhos arrasados de pranto
e soluçava alto como uma criança. Reconheci-o num ah! de dolorosa surpresa...
Era ela, a triste e desventurosa criatura
que eu via passar todas as manhãs, que partia agora para além, e que nunca
mais, nunca mais voltaria!...
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