Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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São alarmantes, aflitivas,
desesperadoras, as notícias provenientes da Amazônia, relatando o que têm sido,
ali, os horrores da fome. Reduzidas à miséria extrema, centenas de famílias
vivem, naquelas regiões inóspitas, sem remédios, sem roupa, sem alimentação,
num retrocesso forçado à vida selvagem. As casas, que outrora permaneciam
abertas à margem das estradas e dos rios, fecharam-se de todo, para que o
viajante não veja, de passagem, a nudez das pessoas que nelas habitam. Milhares
de senhoras, de moças, de meninas, refugiaram-se nos aposentos, por não terem
um andrajo, um molambo, um trapo, sequer, para velarem as partes vergonhosas do
corpo. E, se a carência de vestidos é tamanha, que se poderá dizer, então, da
falta de alimentos? O episódio narrado pelo Sr. deputado Pereira Teixeira, que
dele teve notícia por um amigo recentemente chegado do Acre, é desses que
dissolvem em lágrimas as fibras mais duras do coração.
Seringueiro destemido, o Antônio
Cajapió havia resistido, quanto possível, na sua barraca de Santa Ifigênia, à
fúria da calamidade. Avisado de que os vapores de Manaus não iriam mais àquelas
paragens, levando mantimentos, enquanto a borracha não subisse de preço,
meteu-se ele no seu casebre, a consumir o que lhe restava: carne seca, feijão,
farinha, bolachas, e, quando acabou tudo, sentou-se na canoa, e pôs-se de
viagem, descendo o rio.
Ao fim de dois dias, descobriu, à
beira da grande estrada fluvial, um barracão, que se achava completamente
fechado. Intrigado, encostou a embarcação, amarrou-a a uma árvore da ribanceira
e, como não tivesse mais um punhado de farinha para a fome do dia, resolveu
disputá-lo, mesmo pela violência, aos moradores daquela tapera. Com esse
intuito encaminhou-se para a porta, e bateu:
— Ó de casa!
Ninguém respondeu.
— Ó de casa! — insistiu.
Como o silêncio continuasse, o
caboclo procurou uma fresta da porta, e olhou: dentro, estiradas na paxiúba do
soalho, estavam, completamente despidas, a dona da casa, mulher ainda jovem, e
duas irmãs desta, que lhe faziam companhia. Espiando pela fresta, viu ele que a
família se encontrava em conciliábulo, procurando, talvez, um meio de atender ao
viajante, quando não havia mais, na casa, quem tivesse um vestido ou um pedaço
de pano para a nudez. De repente, como se tivessem deliberado alguma coisa, ele
viu, do seu ponto de observação, que a dona da casa se afastava do grupo e,
tímida, assustada, vergonhosa, chegava à mesa, tomava um prato vazio, que ali
se achava, e, colocando-o no lugar em que devia estar a folha de parreira,
encaminhar-se para a porta. Um minuto mais, a porta abria-se, e o caboclo
recuava, espantado, ante o tipo escultural que lhe caía sob os olhos e cujo
corpo só era vedado à sua curiosidade no ponto em que estava coberto pelo
prato.
— Que deseja? — indagou a
cabocla, de olhos baixos, desconfiada.
O viajante examinou, por um
instante, a mulher, pensou dois minutos, e, sem se conter, trovejou:
— Almoçar!...
À tarde, quando a canoa partiu,
as três mulheres juntavam com uma vassoura os cacos da louça espalhados no
chão...
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