A cidade indiscreta
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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O Rio de janeiro é,
positivamente, a cidade mais indiscreta do mundo. A vigilância em torno de sua
Majestade o Rei Alberto, cujos passos e menores gestos são acompanhados de
perto pelos jornais e pelo povo, demonstrariam essa verdade, se nós próprios,
míseros mortais, não tivéssemos chegado pessoalmente a essa ingrata convicção.
Não há, efetivamente, no Rio, um ponto, um abrigo, um refúgio em que se possa
evitar a curiosidade dos olhares e das perguntas alheias. E quando esse lugar
aparece, é tal a sofreguidão com que o procuram as pessoas discretas, que ele
se torna, de pronto, um dos mais movimentados da cidade.
Ainda, agora, a propósito da
visita de Suas Majestades os Reis da Bélgica à Escola Nacional de Belas-Artes,
veio-me à lembrança um episódio ali ocorrido, e em que tomei parte, durante a
última exposição de artistas nacionais.
Solicitado por Madame Cardoso
Khan a ministrar-lhe, sem a assistência do marido, uns conselhos paternais
sobre um caso do seu interesse, alvitrei, por telefone, a possibilidade de um
encontro em lugar reservado, onde pudéssemos conversar em respeitosa
intimidade. Aceita a minha proposta, a virtuosa senhora indagou:
— Onde poderá ser?
— Na "Mére Louise", no
Leblon! — lembrei.
— Não, lá, não; tem muita gente.
Podiam ver-nos, maliciar, e ir dizer ao Abelardo.
— Então, na casa de D. Matilde,
no Flamengo! — tornei.
— Também, não. Ela é muito
relacionada. Vai muita gente lá...
Apresentados e repelidos outros
alvitres, veio-me à ideia, de súbito, a revelação de um amigo, e propus:
— A senhora já foi à Exposição da
Escola Nacional de Belas Artes?
— Não.
— Pois, então, vá. Chegando lá,
espere por mim, que subiremos, os dois, para o terraço que há em cima do
edifício, o qual está sempre deserto. Abrigados por uns respiradouros que já
existem, poderemos conversar sozinhos, inteiramente à vontade.
— Não sobe lá ninguém?
— Ninguém, filha! Eu estive lá o
ano passado uma tarde inteira, e não apareceu ninguém!
À hora combinada, entrava na
Escola, risonha e medrosa, a elegante criatura. Fiz-lhe um sinal e ganhamos a
escada. De repente, recuei.
Em cima, no terraço, havia mais
gente, aos casais, do que embaixo, na
Exposição!
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