A chácara
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Nestes tempos, em que, embora com
dinheiro no cofre, no Banco ou no bolso, não se encontra, no Rio, uma casa,
mesmo de segunda ordem, para alugar ou adquirir, é de meter inveja a felicidade
do Comendador Severiano Braga de Souza, com a sua chácara monumental, situada,
como numa floresta, em pleno coração do bairro de Botafogo.
A propriedade do Comendador
Severiano constitui, realmente, um dos orgulhos do Rio de janeiro. O prédio,
que pertenceu ao saudoso visconde de Coroatá, e, mais tarde, à Baronesa de
Itapiru, é, depois das reformas a que foi submetido, um verdadeiro palácio. O
que, porém, valoriza, ainda mais, tudo aquilo, é o terreno beneficiado pela mão
dos seus antigos proprietários, e conservado com um zelo religioso pelo
opulentíssimo capitalista que atualmente o possui.
Informado da existência dessa
preciosidade, eu próprio me fiz, um destes dias, convidado, e atirei-me a
visitar o Comendador. E foi, para mim, um deslumbramento aquele conjunto de
maravilhas, em que se casam, numa suave harmonia que embala os sentidos, a
inteligência da Arte e a graça inocente da Natureza.
— Quer, então, ver esta sua
casa?... — observou, satisfeito, o antigo presidente do Banco Popular Carioca.
E, tomando-me pelo braço,
levou-me a percorrer, um a um, os pontos encantadores da chácara.
— Isto aqui, — observou-me,
apontando-me um enorme viveiro em que pipilavam toda a sorte de passarinhos
nacionais ou exóticos, — isto aqui é o meu encanto, de todas as manhãs. Temos
aqui o melro, o corrupião, o rouxinol, o periquito, a cambachirra, o curió, enfim,
duzentas ou trezentas aves diferentes.
E, como se eu não soubesse,
explicou-me, com ênfase:
— É o aviário!
Mais alguns passos, e, ao fundo
de uma gruta iluminada, onde peixinhos de mil espécies rabeavam, como joias
vivas, em pequenos depósitos de água límpida, esclareceu-me, com a mesma
erudição:
— É o aquário!
Examinados os recantos da caverna
encantada, que me transportava, como num sonho, ao fundo maravilhoso do oceano,
passamos adiante. Era uma espécie de clareira, de várzea chã, onde se estendia;
cheirando e florindo, um tapete macio, úmido, multicor, de ervas aromáticas.
— É o herbário! — ensinou-me o
Comendador.
Nesse momento, porém, chamaram a
minha atenção umas latadas enormes, artisticamente dispostas, formando caminhos
ensombrados. Endireitei os óculos para examinar melhor, e vi: tratava-se de uma
admirável plantação de parreiras abertas em frutos, em que os cachos, amarelos,
uns, roxos outros, pendiam, sumarentos, brilhantes e numerosos, como bolhas de
ouro ou de vinho suspensas miraculosamente das folhas.
— Magnífico! — exclamei,
deslumbrado.
O Comendador inflou a barriga,
sorriu, desvanecido, e, estendendo o dedo no rumo do parreiral, explicou, com
orgulho:
— É o "uvário"!
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