A
Cartomante
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Hamlet observa a Horácio que há mais coisas
no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que
dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando
este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é
que o fazia por outras palavras.
— Ria, ria. Os homens são assim; não
acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da
consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as
cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa..." Confessei que sim,
e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que
eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...
— Errou! interrompeu Camilo, rindo.
— Não diga isso, Camilo. Se você soubesse
como eu tenho andado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim,
não ria...
Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela
sério e fixo. Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam de
criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era
ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas
casas. Vilela podia sabê-lo, e depois...
— Qual saber! tive muita cautela, ao entrar
na casa.
— Onde é a casa?
— Aqui perto, na Rua da Guarda Velha; não
passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca.
Camilo riu outra vez:
— Tu crês deveras nessas coisas?
perguntou-lhe.
Foi então que ela, sem saber que traduzia
Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muita coisa misteriosa e verdadeira neste
mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante
adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranquila e
satisfeita.
Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não
queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi
supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e
que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação
parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe
ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação
total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía
um só argumento: limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda
afirmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se
em levantar os ombros, e foi andando.
Separaram-se contentes, ele ainda mais que
ela. Rita estava certa de ser amada; Camilo, não só o estava, mas via-a
estremecer e arriscar-se por ele, correr às cartomantes, e, por mais que a
repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. A casa do encontro era
na antiga Rua dos Barbonos, onde morava uma comprovinciana de Rita. Esta desceu
pela Rua das Mangueiras, na direção de Botafogo, onde residia; Camilo desceu
pela da Guarda Velha, olhando de passagem para a casa da cartomante.
Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma
aventura e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eram
amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou no funcionalismo,
contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo
preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público. No
princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma dama formosa
e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo
arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo.
— É o senhor? exclamou Rita, estendendo-lhe a
mão. Não imagina como meu marido é seu amigo, falava sempre do senhor.
Camilo e Vilela olharam-se com ternura. Eram
amigos deveras.
Depois, Camilo confessou de si para si que a
mulher do Vilela não desmentia as cartas do marido. Realmente, era graciosa e
viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era um pouco mais
velha que ambos: contava trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilo vinte e
seis. Entretanto, o porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho que a
mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhe
tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço
de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.
Uniram-se os três. Convivência trouxe
intimidade. Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi,
os dois mostraram-se grandes amigos dele. Vilela cuidou do enterro, dos
sufrágios e do inventário; Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o
faria melhor.
Como daí chegaram ao amor, não o soube ele
nunca. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado dela, era a sua enfermeira
moral, quase uma irmã, mas principalmente era mulher e bonita. Odor di femmina: eis o que ele aspirava
nela, e em volta dela, para incorporá-lo em si próprio. Liam os mesmos livros,
iam juntos a teatros e passeios. Camilo ensinou-lhe as damas e o xadrez e
jogavam às noites; — ela mal, — ele, para lhe ser agradável, pouco menos mal.
Até aí as coisas. Agora a ação da pessoa, os olhos teimosos de Rita, que
procuravam muita vez os dele, que os consultavam antes de o fazer ao marido, as
mãos frias, as atitudes insólitas. Um dia, fazendo ele anos, recebeu de Vilela
uma rica bengala de presente, e de Rita apenas um cartão com um vulgar
cumprimento a lápis, e foi então que ele pôde ler no próprio coração, não
conseguia arrancar os olhos do bilhetinho. Palavras vulgares; mas há
vulgaridades sublimes, ou, pelo menos, deleitosas. A velha caleça de praça, em
que pela primeira vez passeaste com a mulher amada, fechadinhos ambos, vale o
carro de Apolo. Assim é o homem, assim são as coisas que o cercam.
Camilo quis sinceramente fugir, mas já não
pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe
estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou
atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de
mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não
tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços
dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada
mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e
estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.
Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta
anônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabida de
todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as
visitas à casa de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o
motivo era uma paixão frívola de rapaz.
Candura gerou astúcia. As ausências
prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente. Pode ser que entrasse
também nisso um pouco de amor-próprio, uma intenção de diminuir os obséquios do
marido, para tornar menos dura a aleivosia do ato.
Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e
medrosa, correu à cartomante para consultá-la sobre a verdadeira causa do
procedimento de Camilo. Vimos que a cartomante restituiu-lhe a confiança, e que
o rapaz repreendeu-a por ter feito o que fez. Correram ainda algumas semanas.
Camilo recebeu mais duas ou três cartas anônimas, tão apaixonadas, que não
podiam ser advertência da virtude, mas despeito de algum pretendente; tal foi a
opinião de Rita, que, por outras palavras mal compostas, formulou este
pensamento: — a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o
interesse é ativo e pródigo.
Nem por isso Camilo ficou mais sossegado;
temia que o anônimo fosse ter com Vilela, e a catástrofe viria então sem
remédio. Rita concordou que era possível.
— Bem, disse ela; eu levo os sobrescritos
para comparar a letra com as das cartas que lá aparecerem; se alguma for igual,
guardo-a e rasgo-a...
Nenhuma apareceu; mas daí a algum tempo
Vilela começou a mostrar-se sombrio, falando pouco, como desconfiado. Rita
deu-se pressa em dizê-lo ao outro, e sobre isso deliberaram. A opinião dela é
que Camilo devia tornar à casa deles, tatear o marido, e pode ser até que lhe
ouvisse a confidência de algum negócio particular. Camilo divergia; aparecer
depois de tantos meses era confirmar a suspeita ou denúncia. Mais valia
acautelarem-se, sacrificando-se por algumas semanas. Combinaram os meios de se
corresponderem, em caso de necessidade, e separaram-se com lágrimas.
No dia seguinte, estando na repartição,
recebeu Camilo este bilhete de Vilela: "Vem já, já, à nossa casa; preciso
falar-te sem demora." Era mais de meio-dia. Camilo saiu logo; na rua,
advertiu que teria sido mais natural chamá-lo ao escritório; por que em casa?
Tudo indicava matéria especial, e a letra, fosse realidade ou ilusão,
afigurou-se-lhe trêmula. Ele combinou todas essas coisas com a notícia da
véspera.
— Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te
sem demora, — repetia ele com os olhos no papel.
Imaginariamente, viu a ponta da orelha de um
drama, Rita subjugada e lacrimosa, Vilela indignado, pegando da pena e
escrevendo o bilhete, certo de que ele acudiria, e esperando-o para matá-lo.
Camilo estremeceu, tinha medo: depois sorriu amarelo, e em todo caso
repugnava-lhe a ideia de recuar, e foi andando. De caminho, lembrou-se de ir a
casa; podia achar algum recado de Rita, que lhe explicasse tudo. Não achou nada,
nem ninguém. Voltou à rua, e a ideia de estarem descobertos parecia-lhe cada
vez mais verossímil; era natural uma denúncia anônima, até da própria pessoa
que o ameaçara antes; podia ser que Vilela conhecesse agora tudo. A mesma
suspensão das suas visitas, sem motivo aparente, apenas com um pretexto fútil,
viria confirmar o resto.
Camilo ia andando inquieto e nervoso. Não
relia o bilhete, mas as palavras estavam decoradas, diante dos olhos, fixas; ou
então, — o que era ainda pior, — eram-lhe murmuradas ao ouvido, com a própria
voz de Vilela. "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem
demora." Ditas assim, pela voz do outro, tinham um tom de mistério e
ameaça. Vem, já, já, para quê? Era perto de uma hora da tarde. A comoção
crescia de minuto a minuto. Tanto imaginou o que se iria passar, que chegou a
crê-lo e vê-lo. Positivamente, tinha medo. Entrou a cogitar em ir armado,
considerando que, se nada houvesse, nada perdia, e a precaução era útil. Logo
depois rejeitava a ideia, vexado de si mesmo, e seguia, picando o passo, na
direção do Largo da Carioca, para entrar num tílburi. Chegou, entrou e mandou
seguir a trote largo.
"Quanto antes, melhor, pensou ele; não
posso estar assim..."
Mas o mesmo trote do cavalo veio agravar-lhe
a comoção. O tempo voava, e ele não tardaria a entestar com o perigo. Quase no
fim da Rua da Guarda Velha, o tílburi teve de parar, a rua estava atravancada
com uma carroça, que caíra. Camilo, em si mesmo, estimou o obstáculo, e
esperou. No fim de cinco minutos, reparou que ao lado, à esquerda, ao pé do
tílburi, ficava a casa da cartomante, a quem Rita consultara uma vez, e nunca
ele desejou tanto crer na lição das cartas. Olhou, viu as janelas fechadas,
quando todas as outras estavam abertas e pejadas de curiosos do incidente da
rua. Dir-se-ia a morada do indiferente Destino.
Camilo reclinou-se no tílburi, para não ver
nada. A agitação dele era grande, extraordinária, e do fundo das camadas morais
emergiam alguns fantasmas de outro tempo, as velhas crenças, as superstições
antigas. O cocheiro propôs-lhe voltar à primeira travessa, e ir por outro
caminho: ele respondeu que não, que esperasse. E inclinava-se para fitar a casa...
Depois fez um gesto incrédulo: era a ideia de ouvir a cartomante, que lhe
passava ao longe, muito longe, com vastas asas cinzentas; desapareceu,
reapareceu, e tornou a esvair-se no cérebro; mas daí a pouco moveu outra vez as
asas, mais perto, fazendo uns giros concêntricos... Na rua, gritavam os homens,
safando a carroça:
— Anda! agora! empurra! vá! vá!
Daí a pouco estaria removido o obstáculo.
Camilo fechava os olhos, pensava em outras coisas; mas a voz do marido
sussurrava-lhe a orelhas as palavras da carta: "Vem, já, já..." E ele
via as contorções do drama e tremia. A casa olhava para ele. As pernas queriam
descer e entrar... Camilo achou-se diante de um longo véu opaco... pensou
rapidamente no inexplicável de tantas coisas. A voz da mãe repetia-lhe uma
porção de casos extraordinários: e a mesma frase do príncipe de Dinamarca
reboava-lhe dentro: "Há mais coisas no céu e na terra do que sonha a
filosofia..." Que perdia ele, se?...
Deu por si na calçada, ao pé da porta: disse
ao cocheiro que esperasse, e rápido enfiou pelo corredor, e subiu a escada. A
luz era pouca, os degraus comidos dos pés, o corrimão pegajoso; mas ele não viu
nem sentiu nada. Trepou e bateu. Não aparecendo ninguém, teve ideia de descer;
mas era tarde, a curiosidade fustigava-lhe o sangue, as fontes latejavam-lhe;
ele tornou a bater uma, duas, três pancadas. Veio uma mulher; era a cartomante.
Camilo disse que ia consultá-la, ela fê-lo entrar. Dali subiram ao sótão, por
uma escada ainda pior que a primeira e mais escura. Em cima, havia uma salinha,
mal alumiada por uma janela, que dava para o telhado dos fundos. Velhos
trastes, paredes sombrias, um ar de pobreza, que antes aumentava do que
destruía o prestígio.
A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e
sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de maneira que a pouca
luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo. Abriu uma gaveta e tirou um
baralho de cartas compridas e enxovalhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente,
olhava para ele, não de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma mulher de
quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos.
Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:
— Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O
senhor tem um grande susto...
Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo.
— E quer saber, continuou ela, se lhe
acontecerá alguma coisa ou não...
— A mim e a ela, explicou vivamente ele.
A cartomante não sorriu: disse-lhe só que
esperasse. Rápido pegou outra vez das cartas e baralhou-as, com os longos dedos
finos, de unhas descuradas; baralhou-as bem, transpôs os maços, uma, duas, três
vezes; depois começou a estendê-las. Camilo tinha os olhos nela curioso e
ansioso.
— As cartas dizem-me...
Camilo inclinou-se para beber uma a uma as
palavras. Então ela declarou-lhe que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria
nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante, era
indispensável muita cautela: ferviam invejas e despeitos. Falou-lhe do amor que
os ligava, da beleza de Rita... Camilo estava deslumbrado. A cartomante acabou,
recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.
— A senhora restituiu-me a paz ao espírito,
disse ele estendendo a mão por cima da mesa e apertando a da cartomante.
Esta levantou-se, rindo.
— Vá, disse ela; vá, ragazzo innamorato...
E de pé, com o dedo indicador, tocou-lhe na
testa. Camilo estremeceu, como se fosse a mão da própria sibila, e levantou-se
também. A cartomante foi à cômoda, sobre a qual estava um prato com passas,
tirou um cacho destas, começou a despencá-las e comê-las, mostrando duas
fileiras de dentes que desmentiam as unhas. Nessa mesma ação comum, a mulher
tinha um ar particular. Camilo, ansioso por sair, não sabia como pagasse;
ignorava o preço.
— Passas custam dinheiro, disse ele afinal,
tirando a carteira. Quantas quer mandar buscar?
— Pergunte ao seu coração, respondeu ela.
Camilo tirou uma nota de dez mil-réis, e deu-lha.
Os olhos da cartomante fuzilaram. O preço usual era dois mil-réis.
— Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E
faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá, tranquilo. Olhe a escada, é escura;
ponha o chapéu...
A cartomante tinha já guardado a nota na
algibeira, e descia com ele, falando, com um leve sotaque. Camilo despediu-se
dela embaixo, e desceu a escada que levava à rua, enquanto a cartomante, alegre
com a paga, tornava acima, cantarolando uma barcarola. Camilo achou o tílburi
esperando; a rua estava livre. Entrou e seguiu a trote largo.
Tudo lhe parecia agora melhor, as outras
coisas traziam outro aspecto, o céu estava límpido e as caras joviais. Chegou a
rir dos seus receios, que chamou pueris; recordou os termos da carta de Vilela
e reconheceu que eram íntimos e familiares. Onde é que ele lhe descobrira a
ameaça? Advertiu também que eram urgentes, e que fizera mal em demorar-se
tanto; podia ser algum negócio grave e gravíssimo.
— Vamos, vamos depressa, repetia ele ao
cocheiro.
E consigo, para explicar a demora ao amigo,
engenhou qualquer coisa; parece que formou também o plano de aproveitar o
incidente para tornar à antiga assiduidade... De volta com os planos,
reboavam-lhe na alma as palavras da cartomante. Em verdade, ela adivinhara o objeto
da consulta, o estado dele, a existência de um terceiro; por que não
adivinharia o resto? O presente que se ignora vale o futuro. Era assim, lentas
e contínuas, que as velhas crenças do rapaz iam tornando ao de cima, e o
mistério empolgava-o com as unhas de ferro. Às vezes queria rir, e ria de si
mesmo, algo vexado; mas a mulher, as cartas, as palavras secas e afirmativas, a
exortação: — Vá, vá, ragazzo innamorato;
e no fim, ao longe, a barcarola da despedida, lenta e graciosa, tais eram os
elementos recentes, que formavam, com os antigos, uma fé nova e vivaz.
A verdade é que o coração ia alegre e
impaciente, pensando nas horas felizes de outrora e nas que haviam de vir. Ao
passar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, até
onde a água e o céu dão um abraço infinito, e teve assim uma sensação do
futuro, longo, longo, interminável.
Daí a pouco chegou à casa de Vilela.
Apeou-se, empurrou a porta de ferro do jardim e entrou. A casa estava
silenciosa. Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de bater, a porta
abriu-se, e apareceu-lhe Vilela.
— Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?
Vilela não lhe respondeu; tinha as feições
decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior. Entrando, Camilo
não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre o canapé, estava Rita
morta e ensanguentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver,
estirou-o morto no chão.
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