
A Baronesa
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Um médico ilustre, de
incontestável influência no seio da família carioca, está utilizando,
ultimamente, o seu prestigio pessoal para que as senhoras eliminem, de uma vez,
o hábito de pintar os cabelos. Acha ele que uma cabeça alva, ou, pelo menos,
polvilhada de prata, é um sinal de insubstituível respeitabilidade, que se não
pode, de modo nenhum, esconder ou disfarçar. E tamanho tem sido o resultado
dessa campanha metódica, persistente, silenciosa, contra a vaidade feminina,
que sobem a dezenas, já, as senhoras que se reconciliaram com o destino,
conformando-se com as consequências inevitáveis da idade.
Esse costume de mudar a cor dos
cabelos não é, entretanto, um vício dos nossos tempos. As atenienses
conheceram-no, conheceram-no as mulheres de Veneza, criadoras do "louro
veneziano", e não houve corte européia posterior à Renascença em que não
se procurasse um processo de ocultar à curiosidade do mundo, sempre impiedoso,
a neve que nos avisa, alvejando-nos a cabeça, que é chegado, enfim, o triste
inverno da vida... Há trinta anos, ainda, era isso em voga no Rio de janeiro. E
era sobre isso mesmo que eu meditava, uma destas tardes, ao despedir-me da minha
veneranda amiga a Sra. Baronesa de Caçapava, cujos oitenta e seis anos
constituem, em nossos dias, uma das relíquias mais preciosas da mais alta
sociedade do Império.
Estendida na sua "chaise-longue",
com os pés, pequeninos e engelhados como duas flores murchas, abrigados sob uma
delicada toalha de seda, a boníssima titular sorria, carinhosa, com a sua boca
muito pequena, escondida em um dos vales do rosto recortado de rugas, quando eu
lhe falei nos inícios do nosso conhecimento.
— O senhor andava pelos trinta
anos; não era, conselheiro?
Eu fiz as contas, mentalmente,
embaraçando-me nos algarismos.
— Não estou certo, Sra. Baronesa;
não estou certo — respondi. — Recordo-me, porém, que, certa vez, ao vê-la,
fiquei impressionadíssimo com a sua figura. A Sra. Baronesa, nesse tempo,
lembro-me bem, tinha o rosto ainda moço, mas apresentava na cabeça, já,
acentuando a sua beleza, numerosos fios de prata.
— Foi em 1871, — confirmou a
velha fidalga, sorrindo benevolamente com a sua boquita de criança, encolhida e
funda, privada de todos os dentes. — Foi em 1871; eu tinha, então, trinta e
sete anos.
— De outra vez que a vi, —
tornei, — o que mais me impressionou foi, ainda, a beleza do seu cabelo. A sua
cabeleira, sempre farta, abundante, maravilhosa, era, ainda, inteiramente
negra.
A Baronesa olhou-me novamente,
com um sorriso de saudade, que era um doce perdão para nós ambos, e acentuou,
bondosa:
— Foi em 1880; eu tinha quarenta
e seis...
E, olhando-me significativamente,
pediu-me, com a vergonha brilhando, como uma brasa, na cinza fria dos olhos:
— Cubra-me os pés, conselheiro;
sim?
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