A ave estranha
(Uma anedota do reino dos Perus)
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Um dia em que o azul do ar
transluzia e os seus delgados filetes paralelos vibravam como cordas de
violino, ao reino dos Perus, sem que se soubesse donde, chegou uma ave
estranha.
Era alta e garbosa, leve e
esguia. Vinha envolvida numa doida atmosfera de rubro, de miragem dourada. A
doce curva de seu pescoço tomava os mais elegantes ímpetos para atingir o céu
distante. Rebrilhavam as suas penas nos matizes mais variados e imprevistos;
ora, a turquesa das alturas vivia-lhe na
plumagem; ora, a esmeralda do mar
serpenteava pelo seu dorso; por toda ela, aqui, ali, pintas, olhos, cruzes,
estrelas de safiras, ágatas, de topázios e rubis cuiscavam.
Foi grande a surpresa no domínio
do Perus. Cada qual, não saindo do círculo de giz em que desde tempos
imemoriais se haviam metido, ergueu a cabeça hedionda.
Oh espanto! Oh terror! A ave não
se parecia com eles.
Não tinha as penas negras de
brilho esverdinhado; movia-se em todos os sentidos; os traços de giz não
suspendiam seus passos. Mal pousou em terra, familiarmente, como se de há muito
conhecesse o hábito, pôs-se a falar, a comentar, com liberdade, com segurança.
Não tinha medo nem das palavras, nem das ideias, nem dos outros perus, os
maiores, que eles diziam existir poderosos.
Era tolerante: sabia a grande
variabilidade das coisas, a maneira diversa que cada qual pode compreendê-las.
Mas os perus não se podiam
capacitar que o mesmo objeto visto por duas pessoas desperte dois modos de ver
diferentes.
Para eles toda árvore era verde,
todo verde era um só, isso nascia da reflexão da sua natureza íntima.
Todos eram iguais, do mesmo povo,
com a mesma voz, com mesmos gostos; as diferenças que, porventura, se lhes
pudesse dar o nascimento os anos lhes tiraram.
Sabiam escrever, mas só de um
modo, sabiam pensar, mas só de um modo, não admitiam a dúvida.
Era certo o que diziam, era exato
o que representavam. Paravam nas palavras, não iam ao pensamento.
E a letra? Ah! A letra!
Quem tinha letra bonita, escrevia
as verdades; e na letra bonita estava o imperativo categórico.
O mundo era rígido, para eles,
igual, medido, não tinha diferenças, não tinha nuances, era uma curva
abominável. O mundo, já lá dizia o filósofo, é a ilusão do nosso entendimento.
O espanto foi contido e com
falsas vozes de amigo, os perus indagaram:
— Donde vens?
— De longe. Atravessei mares,
lagos, rios e minhas asas por vezes roçaram na cabeleira verdoenga das
florestas. Vi o azul fosforescente do mar dos trópicos, as adustas areias da
Ásia, a gama de fogo do Chibuazo, do Cotopaxi. Vi pagodes, cubatas, palácios.
Os boulevards de Paris, os jardins de
Sandes e as nascentes do Nilo encantaram alternativamente meus olhos. Raças,
povos, famílias, de cores e de sangue mais vários amei.
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