Samuel
Carlos Wiedemann: "Êxodo e miséria: uma leitura de Vinhas da Ira, Vidas
Secas e o Quinze". (Dissertação de Mestrado - Universidade Estadual do
Oeste do Paraná – UNIOESTE - Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Letras). Cascavel/PR, 2010.
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As décadas
de 1920 e 1930 foram marcantes para o Brasil devido a diversas mudanças no
cenário econômico, dentre as quais, a crise da economia cafeeira, visto
que, ao longo dos anos 1920, o café perdeu cinquenta por cento do seu valor de
mercado (WEBER, 1990). Isso ocorreu devido à formação de estoques excessivos,
mas também à crise mundial, cujo marco histórico foi a quebra da Bolsa de
Valores de Nova Iorque em 1929. Se, por um lado, ocorria a crise dos
cafeicultores, por outro, a indústria supera os obstáculos com certa
facilidade. De forma resumida, assiste-se, na década de 1930, à “[...]
superação do valor da atividade agrícola pelo da atividade industrial” (WEBER,
1990, p. 98). Ainda sobre essa mudança no Brasil, Carbonel e Palermo afirmam
que:
Com isso,
acentua-se a centralização do poder econômico na região Sudeste, bem como a
desigualdade social das demais regiões. A seca, a miséria e a “retirância”
(nomadismo bastante particular do Nordeste brasileiro) acentuam o contraste
entre duas faces opostas do Brasil, já evidenciado por Euclides da Cunha em Os
Sertões (1902). O somatório de diferentes fatores, de diferentes ordens –
mudança do paradigma exclusivamente agrícola para a nova realidade industrial;
mudanças no plano político; fortalecimento de ideologias de oposição ao poder
vigente (fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922) – impõe um também
novo posicionamento diante de problemas que, apesar de aparentemente antigos
(como é o caso da miséria no sertão), não podiam ser recebidos pelo prisma cultural do mesmo modo de antes (o Regionalismo
artístico até o final do século XIX, visível, por exemplo, na obra de Taunay ou
de Alencar). (PALERMO e CARBONEL, 2008, p. 4).
Devido a
esses fatores, o grupo dos industriários assume o poder, buscando uma forma de
reordenação do país através de um plano de institucionalização, ou seja, eles
impunham a “[...] racionalidade através da centralização
político-administrativa do país” (WEBER, 1990, p. 100).
No que se
refere à produção literária dos anos 1930, os autores buscavam na literatura
essa ordenação lógica, proveniente das mudanças ocorridas no país e,
portanto, “[...] cabia-lhes desvendar o mundo, dentro da visão
lógico-racional que o capitalismo brasileiro lhes propiciava e as novas
relações de poder que lhes impunham” (WEBER, 1990, p. 100). No que tange ao
romance de trinta, Albuquerque Jr. destaca:
O “romance
de trinta” opera pela elaboração de personagens típicos, de tipos que falam do
que consideram experiências sociais fundamentais, que constituíam identidades
típicas do regional. São personagens que devem promover a própria identificação
do leitor com seus comportamentos, valores, formas de pensar e falar. São
personagens que pretendem ser reveladores de uma essência do ser regional ou de
lugares sociais bem definidos. (Apud HAIDUKE, 2008, p. 37).
De acordo
com Dacanal (1986), as principais características do romance de trinta são: (1)
a verossimilhança, seguindo a tradição da ficção realista/naturalista europeia
e brasileira; (2) a linearidade; (3) a linguagem filtrada pelo chamado “código
culto” urbano; (4) a fixação direta de estruturas históricas perfeitamente
identificáveis por suas características econômicas e sociais; (5) as estruturas
históricas sociais agrárias; (6) uma perspectiva crítica dos autores em relação
às características políticas, sociais e econômicas das estruturas históricas;
por fim, (7) otimismo que, segundo Dacanal, pode ser qualificado de “ingênuo”.
Dessas características, as três primeiras seriam de natureza técnica e as
demais de natureza temática.
Em sintonia
com a tendência do romance de trinta, os romances brasileiros em análise – Vidas
Secas e O Quinze – se atêm a personagens que revelam a realidade da
região semiárida brasileira das primeiras décadas do século XX. Isto é, as
obras buscam o regional, o peculiar – no caso dos romances citados – do “ser
nordestino” do semiárido, com suas peculiaridades, mas, ao mesmo tempo,
revelam valores universais, pois o romance de 30, como destaca Albuquerque Jr.,
promove a identificação do leitor com os personagens. Dessa forma,
percebe-se o valor universal das obras, subjacente à tônica regionalista que
lhes é característica. Chiappini destaca, sobre os romances de 30, que:
[...] o
regional seria uma referência para o nacional; a literatura seria uma expressão
espontânea da terra e a crítica literária atuaria no sentido “de legitimar a
vinculação da produção literária a espaços que seriam naturais e fixos,
a-históricos”. (CHIAPPINI, 2002, p. 163).
Chiappini
ainda destaca a existência de dois Nordestes: um rico – da área canavieira – e
outro pobre – da área pecuária. Segundo a autora:
Rachel de
Queiroz tem consciência de dois nordestes: um da riqueza maior, encarada
criticamente por ela, do nordeste rico e da forma como os fazendeiros tratam
seus escravos, idealizando as relações amenas entres escravos domésticos e
fazendeiros do nordeste pobre, sem contudo escamotear as contradições e
dominação [ ...] a releitura de Rachel, aqui proposta, considera a relação que
eles estabelecem entre o Nordeste e o centro do País e entre os pobres e ricos
confrontados com a seca ou entre os ricos, confrontados entre eles mesmos e com
seus subordinados na disputa por terra, ouro e poder. (CHIAPPINI, 2002, p.
161-162).
Dentre os/as
autores/as que se destacam na chamada Geração de Trinta, Graciliano Ramos é um
dos mais relevantes: “[...] um mestre do seu ofício de romancista. Um
mestre da arte de escrever” (LINS, 1974, p. 18) ou, como afirma Chaves, ele
“[...] foi o criador dum mundo fictício – o romance e suas personagens – no
qual a literatura brasileira atingiu um dos pontos mais altos” (CHAVES, 1988,
p. 48). Segundo Lins, dentre as características de Graciliano Ramos se destaca
que ele foi:
[...] um
homem do seu meio físico e social, ao mesmo tempo um romancista voltado para
introspecção, a análise, os motivos psicológicos [e] representa o estranho
fenômeno de um romancista introspectivo, interiorista, analítico, sem que leve
em conta no homem outra condição que não seja a materialística. (LINS, 1974, p.
11).
Tanto
Graciliano Ramos quanto Rachel de Queiroz tinham uma postura crítica frente à
realidade, buscando retratar a miséria da região do semiárido. Rachel de
Queiroz pertencia ao Partido Comunista, tanto que ela se classifica comunista e
afirma que “[...] chamavam a revolução de 30 de ‘golpe dos tenentes’” (QUEIROZ
e QUEIROZ, 1998, p. 28). Graciliano Ramos chegou a ser preso, sob o governo
ditatorial de Getúlio Vargas, sem ao menos saber o motivo. A esse respeito,
Gorender afirma:
Homem culto, ateu, Graciliano, como afirma em resposta
aos já mencionados quesitos, odiava a burguesia e o capitalismo. Mas não
participava de ações políticas práticas. Sua prisão foi inteiramente
arbitrária, própria do ambiente da época, imediatamente posterior ao
esmagamento dos levantes da Aliança Nacional Libertadora de novembro de 1935
[...] Em 1945, o partido comunista ganhou estatuto legal e Graciliano filiou-se
a ele. (GORENDER, 1995, p. 325).
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Notas:
Notas:
- A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
- As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
- Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
- Disponível em: Domínio Público
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