O primeiro filho
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Na secretaria fora estranhada a falta primeira de Orlando, assíduo até não se ter ausentado do serviço no atraente dia do matrimônio.
O Diretor do esposo de Olívia era reconhecido à assiduidade do moço, e, por duas vezes, determinara o seu acesso por merecimento.
Ao penetrar na Repartição depois da primeira falta, todos os olhares recaíram no conceituado funcionário, que, perturbadamente, se entregou ao trabalho sem explicações.
Mas, horas depois, na intimidade do gabinete reservado, Orlando e o Diretor entravam em confidência...
— Ah! Sr. Diretor!
— Estiveste doente?
— Não, não foi doença minha. Antes o fosse...
— Trocaste o dia?
— Como assim?
— Levaste à conta de um domingo a quinta-feira de trabalhos?
— Também não!
— Viajaste a negócio?
— Qual, Sr. Diretor! Os meus negociou são somente os de meu dever aqui dentro...
— Não sei explicar a tua falta.
— E eu careço de coragem para dizer...
— Tão fútil não há de ter sido o motivo.
— Eu conto. Foi o meu primeiro filho...
— Felicito-o desde já.
— Obrigado, Sr. Diretor. Eu tinha a certeza de sua generosidade. Conhecendo bem a fraqueza de Olívia, tive receios de deixá-la só quando se manifestaram os primeiros incômodos do parto. E confiando em que o acontecimento cedo me daria liberdade para saltar à repartição, fui-me deixando ficar, ora mais embebido nos cuidados que a parturiente exigia, ora menos descontente com o que se ia passando, até que, só na madrugada de hoje, após vinte e duas horas de labutações, se concluíram os trabalhos...
— Fiquei verdadeiramente atordoado com a tua ausência.
— Não menos me senti eu, Sr. Diretor, quando, pela manhã de hoje, cai em mim e vi que faltara ontem improficuamente, porque...
— Ora, Sr. Orlando! Uma falta não influi, tanto mais quanto fui o primeiro a não mandar que se a notificasse. Tenho o bom senso de saber corresponder ao valor dos meus funcionários.
— Fico embaraçado... Nem sei como lhe agradeça... Ao depois das torturas porque passei, era natural que Deus me desse o alívio de uma honra como a que o Sr. Diretor acaba de conceder-me.
— E a senhora ficou sem novidade?
— Pouco mais ou menos, senhor.
— Talvez precisasses do dia de hoje para lhe fazeres companhia...
— Qual nada!... Faltar hoje?...
— Não digo isto.
— Então...
— Obter uma dispensa de serviço...
— Nem pensar é bom, Sr. Diretor. Se me dessem licença eu hoje emendaria o dia com a noite para descontar o atraso de ontem...
— São excessos, Sr. Orlando. É justo que um chefe de família precise dessas lacunas no serviço para gozar mais largamente as venturas de seu lar.
— Estas, francamente, eu só poderia gozar se Olívia tivesse sido feliz no acontecido.
— E não o foi?
— Absolutamente, Sr. Diretor. Mas, antes de tudo, a obrigação.
— Qual foi o médico?
— Foram apenas dois: o dr. Oscar e o dr. Lúcio Trevo.
— Bons médicos, sem dúvida.
— E que hão de pedir caro, caríssimo, porque realmente trabalharam como um horror...
— Mandarei dar-te uma gratificação para cobrires com ela os extraordinários desse acontecimento inquietador.
— Não aceitarei, Sr. Diretor.
— Por que assim?
— Não é soberbia, não. Desculpe-me, mas eu não posso aceitar.
— Quereria ter as razões dessa sua desatenção...
— Não é desatenção, senhor. Suponha que eu aceito. Desfaço-me das minhas dificuldades graças ao seu procedimento generoso. Veio-me um segundo filho, nas mesmas condições difíceis do primeiro. O Sr. descuida-se e eu não obtenho nova gratificação. Naturalmente me enciumarei com o seu procedimento e o que não quero hoje, não devo esperar amanhã... Pois não é?
— Eu daria do melhor grado.
— Sei disto. Hei de habituar-me a cozer-me com as linhas que tenho... Ao depois, se a parturiente inspira cuidados...
— Não se ficou bem ela?
— Acho que não. Ao depois do parto, começou de ter desmaios consecutivos...
— E o que recomendaram os médicos?
— Repouso. Ó Sr. Diretor: eu nunca tinha visto um parto... A mulher é uma inditosa, porque em momento nenhum da vida um homem sofre o que Olívia padeceu.
— Pois penso que devias retirar-te.
— Não devo, Sr. Diretor. O lar é uma preocupação para fora das horas da secretaria.
— Até o serviço poderia lucrar com a tua ausência...
— Perdão, senhor, mas...
— Admiras-te? Não queria falar-te com tanta franqueza para não te consumires ainda mais...
— Por acaso cometi alguma outra falta?
— Gravíssima... Sabes por que te chamei?
— Lealmente ignoro.
— Porque te desconheci. Estás um desconchavado e erras todo o serviço. Pelos teus grandes créditos, és aqui dentro um rico de ódios e de invejas. Conheço-os todos...
— Agradecido, Sr. Diretor.
— Cada companheiro teu é um vigia de tudo quanto fazes para diminuírem com os teus lapsos o teu valor. Não o admito eu.
— Mas, que fiz assim?
— Erraste a soma de uma conta e o tesouro reclama contra a tua informação.
— Oh!... Esta cabeça...
— A conta de Silva & Cia...
— Sei!... sei!... Então... errei-a?
— Inconvenientemente.
— E sei porque perpetrei o engano...
— É o que tu pensas...
— Porventura outro me corrigiu?
— Absolutamente não. Serás tu mesmo quem fará este trabalho ao depois...
— Por que não hoje?
— Estás dispensado, incondicionalmente, do serviço por três dias...
— Não me conformo, Sr. Diretor.
— Sou irrevogável.
— No Maximo me satisfarei com o dia de hoje.
— Serão três dias irredutíveis, e podes ir para a companhia de tua esposa descansar a tua cabeça. Vejo-te perturbado enormemente com o pensamento do que possa ela estar sofrendo a esta hora... Vai, anda!
— Dá licença?
— Pois não.
— Às ordens do Sr. Diretor.
— Ah!... Senhor Orlando?
— Sou todo ouvidos.
— Escapou-me de perguntar-te: o teu filho? é homem?
— Perdão, Sr. Diretor... Mas... não lhe sei responder... Com a atrapalhação da hora não me lembrei... Ah!... sim...
— Que respondes?
— Desculpe-me, senhor. É justo que eu tenha me descuidado tanto?!... Nem verifiquei, Sr. Diretor, se sou pai, ou...
Sorrira o Diretor e dispensara de vez Orlando, com a inveja crescente de todo o funcionalismo bisbilhoteiro e ignorante dos fatos...
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