Denise Adélia Vieira: “A Literatura, a foice e o martelo”. (Dissertação de Mestrado - Coordenação do Curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora). Juiz de Fora/MG, 2004.
O
Modernismo de 1922 e o Comunismo
A
proximidade entre o PC e o modernismo parece ocorrer somente pela coincidência
temporal da fundação do partido com a explosão do modernismo em 1922. Fora isto
e alguns itinerários algo conturbados, os desencontros ou um significante
silêncio parece habitar o (não) relacionamento.
(Antônio
Albino, 1995)
Observa-se
que os participantes mais atuantes da Semana Modernista de 22 não privilegiaram
a vinculação do movimento a um ideário político. O interesse pelo comunismo ou
pelo marxismo foi preterido pela "orgia intelectual". Em 1942, Mário
de Andrade (1974, p. 237-238) fez um balanço do movimento, sublinhando o seu
caráter "desinteressado":
Durante
essa meia-dúzia de anos fomos realmente puros e livres, desinteressados [...]
Isolados do mundo ambiente, cercados de repulsa quotidiana, a saúde mental de
quase todos nós, nos impedia qualquer cultivo da dor [...] Ninguém pensava em
sacrifício, ninguém bancava o incompreendido, nenhum se imaginava precursor nem
mártir.
Escrevendo
em plena Segunda Guerra Mundial, em tempos de engajamento do intelectual, Mário
revê com lentes críticas o seu abstencionismo e o dos modernistas de 22:
[...] nós,
os participantes do período milhormente chamado "modernista", fomos,
com algumas exceções nada convincentes, vítimas do nosso prazer da vida e da
festança em que nos desvirilizamos. Si tudo mudávamos em nós, uma coisa nos
esquecemos de mudar: a atitude interessada diante da vida contemporânea [...]
Deveríamos ter inundado a caducidade utilitária do nosso discurso, de maior
angústia do tempo, de maior revolta contra a vida como está. Em vez: fomos
quebrar vidros de janelas, discutir modas de passeio, ou cutucar os valores
eternos, ou saciar nossa curiosidade na cultura. [...] Eu creio que nós, os
modernistas da Semana de Arte Moderna, não devemos servir de exemplo a ninguém.
Mas podemos servir de lição. O homem atravessa uma fase totalmente política da
humanidade. [...] Os abstencionismos e os valores eternos podem ficar pra
depois. E, apesar da nossa atualidade, da nossa nacionalidade, da nossa
universalidade, uma coisa não ajudamos verdadeiramente, duma coisa não
participamos: o amilhoramento político-social do homem. E esta é a essência
mesma da nossa idade (Ibid., p. 253-255).
Oswald de
Andrade (1992, p. 37) foi outro modernista de 22 que deixou registrada sua
crítica ao desengajamento tanto o próprio como o do movimento. Em 1933, já
filiado ao PCB, escreve no prefácio de Serafim Ponte Grande:
A situação
"revolucionária" desta bosta mental sul-americana, apresentava-se
assim; o contrário do burguês não era o proletário - era o boêmio! As massas,
ignoradas no território e, como hoje, sob a completa devassidão econômica dos
políticos e dos ricos. Os intelectuais brincando de roda. De vez em quando
davam tiros entre rimas. [...] Com pouco dinheiro, mas fora do eixo
revolucionário do mundo, ignorando o Manifesto Comunista e não
querendo ser burguês, passei naturalmente a ser boêmio.
Sua boemia
intelectual e a dos outros modernistas é exemplarmente descrita por Andrade
(1974, p. 237-238), em “O Movimento Modernista”:
[...] E
eram aquelas fugas desabaladas dentro da noite, na cadillac verde de Oswaldo de
Andrade, a meu ver a figura mais característica e dinâmica do movimento, para
ir ler as nossas obras-primas em Santos, no Alto da Serra, na Ilha das
Palmas... E os encontros à tardinha, em que ficávamos em exposição diante de
algum raríssimo admirador, na redação de "Papel e Tinta"... E vivemos
uns oito anos, até perto de 1930, na maior orgia intelectual que a história
artística do país registra.
Oswald de
Andrade (1992, p. 38) também lamentou o fato de que em viagem pela Europa em
1912, "tinha passado por Londres, de barba, sem perceber Karl Marx."
Termina o seu mea culpa, criticando o persistente desengajamento de
Mário de Andrade, com quem havia rompido, e confirmando a sua "profissão
de fé" ao Partido Comunista:
Enquanto os
padres, de parceria sacrílega, em São Paulo com o professor Mário de Andrade
[...] cantam e entoam, nas últimas novenas repletas do Brasil:
No céu, no
céu
Com
"sua" mãe estarei!
eu prefiro
simplesmente me declarar enojado de tudo. E possuído de uma única vontade. Ser
pelo menos, casaca de ferro na Revolução Proletária (Ibid.,
p. 39).
Mário
morreria em 1945 sem jamais ter se filiado ao PCB. Somente mais tarde, em 1933,
respondendo a um questionário que lhe foi encaminhado pela editora Macauley
and Company, manifestou robustas esperanças no socialismo
como idéia. Já Oswald abandonaria o PCB no mesmo ano após uma
militância apaixonada em prol dos ideais comunistas.
Os
intelectuais e o comunismo na década de 1930
LEITURAS
Procurei
aqui em São Paulo, alguns livros de Marx, como O Capital e não pude encontrar.
Ninguém nas livrarias sabia o que era isso. O Brasil nesse sentido estava longe
do resto do mundo. Importei os livros da Europa e comecei a ler (Caio Prado
Junior, 1991)
No final da
década de 20, no Brasil, ocorre a tomada de consciência ideológica de
intelectuais e artistas então seduzidos para a política e para o PCB. O
crescimento da imprensa comunista atuante desde 1922, contribui para essa
conversão.
Publicações
fazem-se notar, tal como a da revista Movimento Comunista, que
surge como um eficiente meio de propaganda e difusão do comunismo. A edição de
livros no Brasil noticiada pela revista e sinaliza o esforço de alterar o
quadro de quase inexistência de literatura comunista entre nós. Mesmo após a Revolução
de 30, a situação não muda muito no que se refere aos livros de Marx. Mas
sabe-se que Os princípios do comunismo, de Engels, e ABC do
comunismo, de Bukharin, são dois livros que têm grande influência nesses
anos.
A década de
30, portanto, apesar de se iniciar sob o signo de forte repressão ao PCB, vai
aos poucos desenvolvendo um clima cultural propício à divulgação de livros
comunistas e de textos sobre a União Soviética. Nessa altura, começam a ser
discutidas as noções de "luta de classes", "espoliação",
"mais-valia", "moral burguesa", "proletariado".
O comunismo
se faz notar nos textos de vários ensaístas, sociólogos e, especialmente, de
ficcionistas que se deixam contagiar pelas idéias revolucionárias. Forma-se
então um relativo público leitor e um mercado de livros e periódicos no país.
Na revista, Boletim de Ariel, a partir de 1930,
registram-se importantes debates político-culturais, como aquele centrado
no socialismo soviético e o que se volta para a literatura proletária.
O comunismo
veio a ser finalmente divulgado entre os intelectuais brasileiros, ainda que
Marx permanecesse quase um desconhecido, tal como confessa Jorge Amado, em
entrevista a Raillard (1990, p. 74): "Eu nunca lera Marx, não sei se muitos
dentre nós o leram [...] mas a maioria dos líderes do PC sem dúvida jamais o
leu."
FILIAÇÃO
Das
leituras, alguns intelectuais passaram de fato à filiação ao PCB. Se no resto
do Ocidente este engajamento já estava se dando desde a Revolução Russa de 1917,
no Brasil foi sobretudo a partir da Revolução de 1930 que ocorreram efetivas
adesões ao partido. A Revolução de 17 certamente sensibilizou os intelectuais
brasileiros; contudo, o ano de 30 foi notoriamente o marco para que o comunismo
ascendesse nos debates nacionais.
OBREIRISMO
As adesões
de intelectuais ao PCB acontecem no momento em que o Partido se
"bolcheviza", submetendo-se mais rigidamente às ordens e regras da
III Internacional Comunista.
Desde fins
de 1929 até meados de 1934, o PCB empreendeu o programa de proletarização do
Partido que desembocou no obreirismo, uma versão que incitou
"desprezo" pelos aliados de classe. Seguiu-se o afastamento dos
militantes intelectuais que ocupavam postos de direção, os quais passaram a ser
ocupados por militantes de origem proletária.
Esta
política se caracterizou pela valorização do modo de vida proletário, em
detrimento do intelectualismo burguês, apontado então como responsável pelo
imobilismo do Partido. Aqueles militantes de origem intelectual que
pretendessem continuar nas fileiras do Partido deveriam experimentar o modus
vivendi do trabalhador e exaltar as virtudes proletárias. O programa
testaria assim as escolhas partidárias dos intelectuais.
Ao centrar
as suas propostas em torno da proletarização, o PCB pretendia uma revisão das
funções assumidas pelos intelectuais até então representantes da burguesia. O
intelectual que desejasse ingressar no PCB tinha de passar por vários testes
para mostrar que poderia fazer parte do proletariado, provando assim afinidades
com esta classe.
Além disso,
"travestido" de operário, o intelectual poderia transmitir nos seus
escritos, de modo mais "verdadeiro", as experiências adquiridas com o
mundo do trabalho. Defendendo o obreirismo, Amado (1946, p. 11) afirma:
Indomável
partido do proletariado! E dos sábios e dos escritores! Onde iríamos nós caber,
pôr acaso, senão dentro deste partido que é do povo? Só nas fileiras poderemos
fortalecer, ao contato com o proletariado e o povo, a nossa capacidade de
criação artística e científica.
Contudo,
dado o peso excessivo de obrigações impostas aos militantes, foram muitos os
que não acolheram o obreirismo, em sua prática, com o entusiasmo de Amado,
ainda que acolhessem o "proletariado" como tema em seus escritos.
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Notas:
Notas:
- A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
- As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
- Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
- Disponível em: Domínio Público
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