10/07/2017

Marabá (Conto), de Delminda Silveira


Marabá (conto brasileiro)

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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Ela não tinha a face da cor do jambo maduro, nem seus olhos eram escuros como as amoras da selva, e nem seu cabelo negro e corredio como o das outras virgens do sertão.

— Branca e loura era à flor dos cactos, a formosa rainha da noite, que tem a face de neve e a coma de pálido ouro. Seus olhos azuis quais mimosas graciolas do prado, eram brilhantes de vida como as estrelas de uma noite escura.

Não era mais alvo o jasmim da mata do que a sua branca tez, nem a flor do Pequiá mais vermelha que sua boca mimosa, e nem o cacho do coqueiro mais dourado que sua opulenta cabeleira.

Mas a virgem Marabá não tinha sorriso...

Era a branca flor da urumbeba que desabrocha entre espinhos!

Se, gentil como a graça da ribeira, ela ia banhar-se à corrente, apenas a grande estrela aparecia no Céu, a formosa princesa das águas, a linda napê-jaçanau que abre nas ilhas verdejantes do igapê do rio, invejava-lhe a brancura dos seios, e, quando o sol nascente feria com suas setas de ouro as sossegadas águas, a flor rodeava de amargura e zelos, que no cristalino espelho sempre se via menos bela do que a virgem da floresta.

Um dia a Marabá voltou pensativa...

Ela vira a grande Igara do guerreiro do mar.

E o guerreiro branco era formoso e sorria; e o guerreiro da tribo desprezava-a porque era Marabá!

Ele tinha o rosto levemente tostado pela brisa dos mares; seus cabelos, suavemente ondeados, tinham a cor mais escura que a do fruto do castanheiro, porém não eram negros e ásperos como os das filhas do sertão.

Os olhos, da cor dos cabelos, brilhavam como o fulgor da glória e enlanguesciam com o quebranto do amor.

E o guerreiro branco sorria fitando-a...

Mas a virgem selvagem fugiu como a gazela gentil.

No outro dia, a beira do rio, a Marabá cantou o triste e meigo canto da mestiça; era um queixume terno e melodioso como o gemer da juriti sem companheiro.

Ela suspirava assim:

Sou branca e linda como a açucena,
sou, como ela, pura e gentil;
tenho os cabelos em cachos de ouro,
tenho nos olhos a cor do anil.

Sou bela e triste e sou chorosa
qual entre espinhos a flor que abriu;
meus olhos garços só sentem lágrimas
como o rocio que a flor cobriu.

não tem meus lábios doce sorriso,
não tem meu peito fogo de amor;
mas, ah! bem sinto, no seio virgem,
De estranho anelo prazer e dor!

O guerreiro do mar ouviu o canto da virgem infeliz...

Uma tarde a Igara chegou pertinho; o guerreiro branco sorria; já tantas vezes sorria assim...

Ele colheu a napê-jaçanan que se levanta das águas, beijou-a, apertou-a ao peito; depois, atirou-a a virgem formosa, e o guerreiro falou: — Vem!

O som do boré estrugio na mata; os filhos da selva iam chegar.

Assustada, a virgem selvagem lançou-se as águas serenas do rio...

Um momento após a desventurada sobre o valente coração do guerreiro branco, já sorria feliz!

E a grande igara partiu, mais veloz do que a uirá do guerreiro tupi.

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