Brinde a minha filha
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Hoje é o dia do teu
primeiro aniversário, querida filha.
És pequenina demais,
tens o espírito ainda cerrado à compreensão exterior das coisas, para poderes
penetrar o júbilo imenso de que devo estar saturado por esse acontecimento,
sobre a vastidão desta valente artéria amazônica, ao tempo que as perspectivas
das verdes paisagens aprazíveis se vão sucedendo gradativamente, numa suavidade
que desliza tranquila a meus olhos enlevados nas florituras das folhagens
ramalhudas.
Entretanto, devo
escrever estas linhas que, no futuro, destinarei a teus olhos e a tua alma, —
sobretudo à tua alma, querido amor! Íntima força propele-me a esta comunicação
silenciosa dos nossos dois espíritos, — o meu ainda novo, porém já prestes a
declinar para as florescências da idade madura e o teu velado ainda à vida do
espírito, aos sentimentos santos, pequenino botão de bogari transcendental, que
nem sequer pensa em desabotoar as cerradas corolas aos largos folguedos de uma
existência feliz!
E por que não
falar-te hoje?
Quem sabe o que o dia
de amanhã, — soturno cairel dos arcanos do tempo, — não guarda para nós envolto
nas iriadas roupagens do futuro?
A distância que entre
nós presentemente existe não é motivo bastante forte para recusar-me ao
desejo de escrever estas palavras simples, destinadas à perfeita simplicidade
do teu espírito... daqui a meia dúzia de anos, quando estejas no caso de
entendê-las, meu amor.
Nem tu sabes que
multidão de alegres pensamentos vaga-me no cérebro, hoje que um ano se completa
que pela vez primeira te vi, rosada e pequenina, quase imperceptível átomo-flor
de uma existência tão almejada e bendita pelo meu espírito milhares de vezes
rejubilado!
Como estuava-me o
coração, alargado em seus âmbitos pelo prazer, todo aberto às santas paixões
amoráveis de quem começa a gozar as grandes, as melífluas, as inebriantes
sensações vitais da paternidade! Com que ternura imensa não te fitavam meus
olhos, rasos d'água, abertos como num sorriso, revendo a tua pequenina
imagem através da nervosa palpitação imperceptível dos cílios orvalhados das
puras lágrimas do contentamento!
Um mundo de
pensamentos risonhos e transcendentais produzia-se-me no espírito, em luzida
coorte de festivas alegrias benéficas. Sentia-me pequeno demais para criá-los,
bastante insignificante para soletrar tramando de emoção todo aquele mirífico
alfabeto enorme da mais santa das paixões.
Era a completa
alegria que manifestava-se destarte em minha alma, porque pela primeira vez te
via diante de mim, envolta em cândidas faixas, ao colo de tua mãe, que
desabrochava o rosto num sorriso meio doloroso e quase todo espiritualizado já,
como num altar imaculado, erguido à tua inocência pela ternura da Mulher que te
deu à luz, regenerada da culpa da espécie pelo imanente martírio da
maternidade!
Hoje, que tais fatos
completam um ano, dia a dia, os mesmos sentimentos revoam-me festivos pelo
espírito, com igual força de vitalidade.
Inscrevo-os nesta
folha, registro-os em tua alma, ó flor, para oferecer-tos como pressente de
anos em penhor do largo afeto de teu pai, enquanto, separado de ti por grande
distância, levanto à sorte mil votos pela tua felicidade futura, por tua
existência, por tua saúde, pela tua angélica pureza de donzela e pela tua
inquebrantável virtude de esposa.
É bem possível que
não mais exista o autor destas linhas e da tua existência quando possas ler as
palavras aqui traçadas.
Não importa! Servirão
para lembrar-te que possuíste um pai amorosíssimo, que teve para ti os
pensamentos todos da sua vida e, por certo, ainda mesmo o pensamento final da
hora derradeira!
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