Bretan
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Certamente a
mais ninguém acontece ter como eu um medo atroz, um respeito fetichista, pelo
correio.
Um comboio
que passa, com a sua cabeleira ao vento; os seus gritos agudos, o seu tam-tam monótono, não me traz à
ideia a alegria descuidosa dos que partem para recriadas viagens, não! Eu penso
que naquela caixinha, estreita como um esquife, vai amortalhado muito coração,
vai muita lágrima alastrada em tinta, levar a todos os cantos do mundo a mágoa
que a fez sangrar.
Muita
alegria diz também aquela pequena chapa com sete letras a pátio... Diz
certamente; mas não a alegria sã e completa dos felizes que não têm ausentes!
Quanta saudade de mãe amargurada, que ao deitar a sua carta na caixa sentirá a
mesma impressão dilacerante de lançar com ela o coração!... Quanto conselho de
pai, martelado a soluços!... Quanto desespero de namorada confiando ao acaso
das viagens o seu pobre amor feito em frangalhos!... Quanta tristeza numa frase
em que se pergunta pelo anjinho, que se viu nascer e que longe cresce e se faz sábio, sem que os nossos olhos o
envolvam de carícias!... Quanto beijo dado no vácuo; quantos braços estendidos
a pedir socorro, caindo inertes sem ter que abraçar! Quanta mentira, quanto
desespero, quanta saudade!... Tudo isto passa pelo meu espírito anuviado,
dando-me a gélida impressão de temor!
Até os
pobres carteiros, cuja miséria reclama espórtula, têm um modo autoritário de
bater às nossas portas. Queiras ou não queiras, aí te vai a carta de pátio que
faz refluir todo o sangue ao coração, a frase crua que despedaça amizades, o
rendilhado fementido de um afeto que sentimos morto.
Sobre uma
carta encontrada, toda uma vida se pode refazer; desenhar justamente um
caráter; ter quase palpável, diante dos nossos olhos, a figura sorridente ou
lacrimosa, entusiasta ou fria, resignada ou inquieta, que ao papel confiou as
suas impressões. Mas nenhuma como esta, que uma piedade estranha roubou à bruta
indiferença de um pai, dá a flagrância de uma alma.
Por
delicadíssima oferta de quem sente a vida como eu a sinto e compreende como eu
compreendo a amargura dos que sofrem, ela me chegou às mãos, tal qual a vou
copiar:
—
“(Bretagne) le 8 Fevrier 1892.
Je rèponds a
ta lettre reçu le 2 Fevrier nous sommes en très bonne santé nous désirons que
toi il en soit de même. Nous avons reçu avec beaucoup de plaisir les details de ta situation
soit sur le passée comme sur le prèsent. Je s'ai que tu n'est pas en peine pour
diriger tous les travaux comme ils se font
en France. Pour faire la cuisine tu n'est pas noice l'on doit être content
d'avoir un aussi bon cuisinier que toi surtout pour lapin et lievre. Avec 3 jambons et du lard tu en a là pour
prépare beaucoup des liévres.
Je pense que
tu dois boire du vin j'ai entendu dire qu'on recolté du vin très renommé. Je
suis très satisfaite que tu ai fait toutes ces emplettes car elles sont bien
utiles. Mais maintenant que tu as toustes vètements nécessaires, puis qu'il y a
beau coup du gibier cela doit servir pour une bonne parti de ta nourriture
alors une personne seule avec le gage que tu gagne si j'etais a ta place il me
semble que je tacherai moyen de mettre un peu d'argent de côté car si plutard
tu en avant besoin tu aurai là ce qu'il te faudrai car l'argent ne nuie jamais,
je ne pense pas. Cher père de te fâche quoique je te donne ce petit conseil
mais tu s'ai l'argent est bien utile sans cela ou ne peut rien faire. Comme tu
me dis que tu as acheté une couverture de laine dans ta prochaine lettre tu me
dira si tu a un appartement ou tu fait ta cuisine et si tu couche dans un lit
tu me l'expliquera. Tu connais donc le roi du Portugal?
ce serait un grand honneur pour toi si Sa Magésté venait chasser avec toi ainsi
que tu me le dit mais je crois que tu ma dit cela pour me faire rire mais peut
être il n'y a pas beaucoup des chasseurs en Portugal. Fait-on la chasse aux
macreuses comme ici toi qui aime tant cette chasse lá tu n'en parle pas. Comme
tu me parle de la mer vois-tu la Mer Méditerranée ou l'Ocean Atlantiquê? Tu me
dira aussi si tu parle Français ou Portugais. Tache moyen de conserver ta bonne place et
du commerce ne m'en parle pas car c'est le commerce qui nous a occasionné tous
nos grands malheurs. J'ai a te dire qu'il y a appeine un an que j'ai commencé
un petit jardin dans la cour du cellier je vai t'en donner un aperçu a partir du
portail jusqu'au 1.er figuier
j'ai fait une palissade, lá j'ai planté 3 rangs d'arbres fruitiers, j'ai fait
un petit chemin qui fait le tour des arbres, et j'ai fait des anglaises, lá
j'ai planté tout éspeces de fleurs ce serait trop long pour te dire tous les
noms des fleurs que j'ai planté, tout cet été qui s'ai les fleurs que j'ai eu
pour porter à l'Eglise. J'y ai mis aussi des fraisiers, des grosselliers, des
souches pour faire grimper en un
mot rien n'y manque que d'avoir un puits. Comme je ne sort jamais pour aller en
promenade je vai passer beaucoup des moments a voir mes plants les arroser lui
enlever les mauvaises herbes et cela me distrait beaucoup. Depuis le mois de Novembre mon jardin est
plein de violettes. Le climat du Portugal doit être plus chaud qu'ici il ne
doit sans doute pas tombé de neige, mais pour nous il fait un hiver pluvieuse
nous n'avons seulement pas eu le vent du nord nous voyons la neige sur les
montagnes mais il ne fait pas froid. Si tu ne peux pas ecrire pour la fin des
mois jusqu'au mois d'Avril ou Mai c'est trop loin tu peux ecrire vers le
millieu de Mars le plustard. J'ai donnè des nouvelles a ma Tante e mon Cousin.
Ton ami Gilbert vient a la maison de temps en temps il nous demande toujours de
tes nouvelles car il t'aime bien mais Gilbert a été bien éprouvé comme nous, tu
peux penser comme il est desolé il y a plus d'un an qu'il a pérdu sa pauvre
fille.
Je termine
ma lettre cher père en t'embrassant du fond du cœur ma mère et moi.
Ta fille — Celeste
***
Com os seus
erros de ortografia e a sua completa ignorância de gramática, com a maneira
simples, natural e humana de dizer o que sente, é a mais delicada, a mais doce,
a mais sentida nota que uma obscura alma de rapariga tem feito ressoar no meu
coração.
Como ela se
desvanece, primeiro, com os talentos culinários do Cher Père. Depois vem o seu instinto econômico de petite mére, a dar tão bons conselhos ao
pai de má cabeça — que parece ele foi...
O espanto da
pobre rapariga, o orgulho que sorri entre dúvidas, de que, ele conheça Sa Magesté!... Perdida num cantinho da
Bretanha, na sua grande França republicana, essa ideia será para ela qualquer
coisa de grandioso e vago como os radiosos contos de princesas e fadas de que a
sua infância foi entretecida.
Nem tu
sabes, touquinha branca de asas engomadas, como o sol do pequenino país
onde teu pai refaz a sua fortuna desbaratada, engrandece os humildes e banaliza
os grandes!
Ignorante Gaud de olhos cor da flor do linho,
pondo com grande esforço de memória a pena nos dentes, a consultar a sabedoria
da escola: vois tu la Mer
Mediterranée ou l'Océan Atlantiquê?
O grande
Atlântico, minha querida! — a vastidão do mar que deu ao insignificante país,
que mal te lembras de ver no mapa, a vastidão dos continentes novos!...
Vem depois o
horror ao comércio, como um rebate de incêndio... Compreendo o teu medo, o teu
grande desgosto, pobresita! Estou a ver a tua casa muito arranjadinha, com o “leito à moda da cidade”, os teus fatos
ricos a fazer inveja,— a bela herdeira que tu eras, a chamar pretendentes!... E
de um instante para o outro, tudo desfeito, como um sonho de criança! Sim
tremer, tremer das más cabeças, no comércio. Le pauvre cher Père!...
Vem
aligeirar a carta a linda descrição do jardim, que ficou o seu luxo, a
consolação dos dias tristes passados com a velha mãe a lembrar o ausente — fugitivo,
criminoso talvez?!...
O adorável
perfume, tão fresco das suas árvores de fruto!... E os ramos de flores tão
variadas que seria longo enumerar, como na sua melancólica igreja devem dizer
bem, no altar de Nossa Senhora! Mas o poço que falta lhe faz, à paciente
jardineira!
Parece que
toda a carta ficou impregnada desse aroma honesto de violetas, que desde
novembro enchem o paraíso da voluntária reclusa.
A vaga
impressão de sol que lhe sugere o clima de Portugal... Como teria ela aqui
formosas flores para cultivar!
Abre-se
diante dos nossos olhos a serenidade da sua vida desfeita e conformada, lendo
esta singela carta toda saída do coração; o amigo Gilbert visitando a família,
e tão triste, ele também, com a morte da pobre filha!...
Leva-lhe,
Celeste, ao seu coval de virgem, braçadas das tuas flores tão queridas!
Leva-lhas. E será melhor pedires à boa amiga que te deixou, um lugar ao seu
lado, na pacificação do vosso cemitério raso. Com o teu coração, Celeste, que
farás tu neste mundo de lama e ouro, pobre querida?!... Pede — aconselho-to eu—
à filha do teu amigo Gilbert um lugarzinho doce onde te deites
sossegadamente, com a touca engomada pela última vez, o teu vestido dos dias
felizes, os sapatinhos que nunca terão uso. É o melhor que tens a fazer, se não
queres o teu coração gelado pela indiferença alheia, como a neve que nas
montanhas alveja diante dos teus olhos sonhadores.
O susto em
que vives, simpática desconhecida, que eu compreendo e amo. Nem o teu amigo
Gilbert, nem esse mesmo deve saber ao certo onde para o filho pródigo!
Que
despedaçadores martírios e desgostos; que mortificantes saudades curtidas
longe!...
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