10/07/2017

A sina (Conto), de Delminda Silveira


A sina

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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Apeando-se do seu negro corcel andaluz, ajaezado de brunida prata, o jovem fidalgo parou à porta da velha feiticeira, e, estendendo-lhe a mão aberta, disse: lede a minha sina!

A cigana tomou-lhe a destra e nela cravando olhos escrutadores, murmurou: amor... riqueza... glórias, tudo, tudo tereis, se fordes amado pela dama que vos tem preso o coração.

— E, como o sabereis? Interrogou o cavaleiro.

— A mais nobre donzela, tornou a cigana, mais alta, mais opulenta, talvez, do que vós, porém, a vossa gentil presença, vossa excelência e bravura bem vos tornaram merecedor de tão valioso prêmio.

— Porém... sou amado? volveu impaciente o mancebo.

— Oh! Sim... creio poder afirmá-lo, respondeu a velha.

— Ah!... com certeza? Não mentes?

— Cavaleiro! duvidais? Eu poderei, talvez, provar-vo-lo.

— Como?... dizei-lo breve! exclamou o apaixonado mancebo, jogando ao avental da cigana uma luzida moeda de ouro.

A feiticeira fez gesto grotesco, como agradecendo, e alongando o olhar até o horizonte disse: foge o dia; a sombra da noite já envolve a terra. Apressai-vos, cavaleiro! a nobre senhora está solitária, pensativa... quiçá pense em vós! Tomai o caminho do Castelo, penetrai no parque e segui até o terraço; aí, a encontrareis e dela própria ouvireis se sois amados.

— Como! O que me aconselhas, jamais o farei; sabeis?

— Sou cavaleiro, sou nobre, e um nobre cavaleiro nunca praticará essa vilania!

— Mas se representásseis a velha feiticeira, tornou a cigana, bem o poderíeis fazer.

Sobresteve o fidalgo; seu rosto exprimiu repugnância; mas, após instantes, disse: — explicai-vos.

— Tomai este manto meu, esta usada túnica, disfarçai-vos e ide ler à nobre senhora a buena dicha. Mas, guardai bem vosso incógnito, do contrário, expor-vos-eis a tudo perder. Ide; aqui vos esperarei; vosso ginete será bem guardado. E assim falando, a velha cigana apresentava ao jovem cavaleiro suas esquisitas vestes.

Obediente, desprende o fidalgo a luzida espada, desata os brunidos acicates, e, envolvendo-se nas sombrias vestes cabalísticas, tomou o bordão e dirigiu-se ao Castelo.

Solitária, pensativa, reclinada languidamente sobre macias almofadas de luxuoso divã franjado de ouro, a nobre donzela tinha a vista perdida no extremo do Céu, lá onde o sol descendo vagaroso por entre largas faixas de ouro e verde esmaecido, purpurava com seus últimos raios as nuvenzinhas mimosas dispersas pelo horizonte.

O vulto alquebrado da feiticeira assomou... aproximou-se e quedou imóvel.

Já o sol se ocultava resplandecente.

A mimosa castelã suspirou doce segredo que lhe fugiu dos lábios e se foi suavemente esconder no casto seio de uma magnólia linda que ela ternamente beijou. Já o sol desaparecera lentamente.

Ia a retirar-se... susta-lhe o passo voz estranha e trêmula que assim murmura:

Pensativa estável; sentis alguma dúvida sobre o vosso futuro, bela senhora?

Eu vo-lo esclarecerei.

Sobressaltou-se a donzela ao ver a esquisita figura; porém, serenando, perguntou: o que me quereis dizer?

— A vossa sina! Respondeu a pretensa feiticeira.

A fidalga estendeu a branca mão que a feiticeira tomou estremecendo, e, examinando-a atentamente disse: É nobre aquele que amais e por quem sois amada...

— Amada! repetiu com eco dulcíssimo a castelã formosa.

— Oh! muito amado, sim! tornou com veemência a feiticeira.

— Cavaleiro que tanto vos ama por sua nobreza e valentia, bem merece o vosso afeto, mas...

— Mas?! Dizei! exclamou a donzela...

— Nem por sua linhagem, nem por seus haveres vos pode igualar, continuou a velha.

— Isto o que importa? Volve a fidalga, se o meu belo cavaleiro é nobre e valente como dizeis? Continuai.

— Amai-lo muito?... perguntou baixinho a feiticeira.

— Se o amo?!... Oh! Se o amo!... disse apaixonadamente a jovem, e acrescentou como para si: demais, bem sei que o nobre marquês Roland de Croixdorée pode muito dignamente vir a ser o nobre esposo da filha dos Condes de Verdmont! Eu o amo, meus pais o apreciam... porém, disse, olhando inquieta a velha feiticeira, vossa mão se torna ardente e fria!... Ele não me ama?

— Senhora! Interrompeu precipitadamente a feiticeira; leio nos traços de vossa mão: daqui a alguns dias, cumprir-se-á o vosso destino: sereis esposa daquele que amais e que muito, muito vos ama!

— Tomai! Disse a jovem castelã, oferecendo-lhe algumas moedas de ouro; mas a fingida feiticeira partira veloz e correndo saiu do parque, parou à porta da cigana, despiu-se dos misteriosos andrajos, cingiu a dourada espada prendeu os brunidos acicates e, cavalgando o impaciente andaluz, partiu à rédea solta, sem mesmo olhar a velha cigana que, com seu gesto grotesco murmurou: — quanto é feliz!...

— Oito dias depois, no solar, celebravam-se as pomposas núpcias do nobre e valente marquês Roland de Croix-dorée, com a formosa Branca, herdeira dos nobilíssimos condes de Verdmont.

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