As fadas ou A menina bem criada
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
---
Era uma vez uma viúva, que tinha duas filhas; a mais
velha parecia-se tanto no gênio e na cara com a mãe, que quem via uma, via a
outra. Ambas eram tão orgulhosas e tão desagradáveis, que se não podia viver
com elas. A mais moça, que era o retrato de seu pai, pela bondade, era ao mesmo
tempo uma das mais lindas raparigas que se podiam ver. Como naturalmente se ama o seu semelhante, esta mãe era
doida por sua filha mais velha, e ao mesmo tempo tinha uma forte aversão para a
mais nova, que mandava comer na cozinha, e trabalhar continuamente.
Entre outras coisas era preciso que esta menina fosse
duas vezes por dia buscar, a uma meia légua grande de sua casa, um grande
cântaro cheio de água. Um dia, que a infeliz criança estava nesta fonte, chegou-se
a ela uma pobre mulher, e lhe pediu que a deixasse beber. — Pois não! minha
senhora, disse esta bela menina; e dizendo estas palavras, tomou água no melhor
sítio da fonte, e lha apresentou, sustendo o seu cântaro, para que ela pudesse
beber mais facilmente. A boa mulher, tendo bebido, lhe disse: — A menina é tão
bonita, tão boa, é tão bem criada, que não posso deixar de lhe fazer um dom. (Era uma Fada, que tinha tomado figura de uma pobre
aldeã, para ver até onde iria a boa educação desta menina.) Eu dou-lhe por dom, continuou a fada, que a cada palavra que disser,
sair-lhe-á da boca uma flor e uma pedra preciosa. Quando esta boa menina chegou
a casa, a mãe ralhou-lhe por haver tardado tanto tempo. — Perdoe-me, minha mãe,
por ter tardado. E dizendo estas palavras, deitou pela boca duas rosas, duas
pérolas, e três bons diamantes. — Que é isto? disse a mãe, admirada. Quem te
deu isto, minha filha? (Era a primeira vez que a tratava por sua filha.) A
pobre menina contou-lhe tudo o que lhe tinha acontecido, não sem deitar pela
boca uma infinidade de diamantes. — Realmente, disse a mãe, vou mandar lá tua
irmã. Vem cá, Mariquinhas, vem ver o que sai da boca de tua irmã quando ela
fala; queres tu ter o mesmo dom? Vai buscar água à fonte, e quando uma pobre
mulher te pedir de beber, dá-lha
com muita civilidade. — Pois não! respondeu a malcriada; eu ir à fonte! — Quero
que lá vás, disse a mãe, e já. Maria foi, mas resmungando. Pegou no mais bonito
jarro de prata que havia na casa, e chegou à fonte. Viu logo sair da floresta
uma dama magnificamente vestida, que lhe pediu água para beber. Era a mesma
Fada que tinha aparecido a sua irmã, mas que tinha tomado a figura e os
vestidos de uma princesa, para ver até onde iria a má criação desta rapariga.
Porventura eu vim cá para lhe dar de beber? disse a malcriada orgulhosa. Era o
que me faltava trazer eu um jarro de prata para dar de beber à senhora: ora
beba na fonte, se quiser. — Sois bem pouco política! replicou a Fada, sem se
encolerizar. Pois bem, já que é tão malcriada dou-lhe por dom, que a cada palavra que disser, sair-lhe-á da boca uma
serpente e um sapo. Voltou a casa, e sua mãe gritou: — Minha filha! minha
filha! então que há? — Nada, minha mãe! respondeu ela, deitando pela boca duas
serpentes e um sapo. — Oh céus! exclamou a mãe; que vejo! É tua irmã que tem a
culpa; há de pagar-mo. E dizendo estas palavras, correu a ela para lhe bater.
A pobre menina fugiu para a floresta vizinha. O filho
do rei, que voltava da caça, encontrou-a, e vendo-a tão linda, perguntou-lhe o
que ela fazia ali sozinha, e porque chorava! — Oh! meu senhor, é porque minha
mãe pôs-me fora de casa. O filho do rei, que viu sair-lhe da boca seis pérolas
e seis diamantes, pediu-lhe que lhe dissesse de onde isto vinha. Ela contou
toda a sua história. O filho do rei ficou namorado dela; e considerando que um
tal dom valia mais que tudo o que se podia dar em dote a uma princesa, levou-a para o palácio de el-rei seu pai, onde
casou com ela. Sua irmã fez-se aborrecer tanto, que sua própria mãe a pôs fora
de casa; e esta desgraçada, depois de ter corrido bastante sem achar ninguém
que quisesse recolhê-la, morreu no meio de um bosque.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...