9/30/2017

João Pateta (Conto), de Guerra Junqueiro






João Pateta

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

---

João era filho de uma pobre viúva, bom rapaz, mas um pouco simplório. A gente da aldeia chamava-lhe por brincadeira João Pateta. Um dia sua mãe mandou-o à feira comprar uma foice. À volta, começou a andar com a foice à roda, de maneira que a foice caiu em cima de uma ovelha, e matou-a.

— Pateta, disse-lhe sua mãe, o que deverias ter feito era pôr a foice em um dos carros de palha ou de feno de algum dos vizinhos.

— Perdão, mãe, respondeu humildemente João, para a outra vez serei mais esperto.

Na semana seguinte mandaram-no comprar agulhas, recomendando-lhe que as não perdesse.

— Fique descansada. E voltou todo orgulhoso.

— Então, João, onde estão as agulhas?

— Ah! estão em lugar seguro. Quando saí da loja em que as comprei, ia a passar o carro do vizinho carregado de palha; meti lá as agulhas, não podem estar em sítio melhor.

— Decerto, estão em lugar de tal modo seguro, que não há meio de as tornar a ver. Devias tê-la espetado no chapéu.

— Perdão, respondeu João, para a outra vez, hei de ser mais esperto.

Na outra semana, por um dia de calor, João foi dali uma légua comprar um pouco de manteiga. Lembrando-se do último conselho de sua mãe, pôs a manteiga dentro do chapéu e o chapéu na cabeça. Imagine-se o estado em que voltou para casa, com a cara a escorrer manteiga derretida.

A mãe já tinha medo de o mandar fazer qualquer recado. No entanto um dia resolveu-se a mandá-lo à feira vender duas galinhas.

— Ouve bem, não vendas pelo primeiro preço. Espera que te ofereçam outro.

— Está entendido, respondeu João.

Foi para a feira. Um freguês chegou-se a ele.

— Queres seis tostões por essas galinhas?

— Ora adeus! minha mãe recomendou-me, que não aceitasse o primeiro preço, mas que esperasse o segundo.

— E tens muita razão. Dou-te um cruzado.

— Está bem. Parece-me que tinha feito melhor em aceitar o primeiro, mas, como cumpro as ordens de minha mãe, ela não tem que me ralhar.

Depois disto, João foi condenado a ficar em casa. Sua mãe sabia que mangavam com ele, e se riam dela. Uma manhã quis fazer uma experiência, e disse-lhe:

— Vai vender este carneiro à feira. Mas não te deixes enganar. Não o entregues senão a quem te der o preço mais elevado.

— Está bem, agora entendo, e sei o que hei de fazer.

— Quanto queres por esse carneiro?

— Minha mãe disse-me que o não vendesse senão pelo preço mais elevado.

— Quatro mil réis?

 É o preço mais elevado?

— Pouco mais ou menos.

— É minha a lã e o carneiro, disse um rapaz que trepara a uma escada.

— Quanto?

— Dez tostões.

— É menos, respondeu timidamente o João.

— Sim, mas vês até onde chega esta escada. Em toda a feira não há um preço mais elevado.

— Tem razão. É seu o carneiro.

Desde esse dia o João Pateta não tornou a ser encarregado de vender ou comprar coisa alguma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sugestão, críticas e outras coisas...