Oswald de Andrade: a estrela de absinto (São Paulo, 1927)
Texto publicado em 1928. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica de Iba Mendes (2017)
A coisa mais característica neste romance de Oswald de Andrade é a visível inteireza do homem na obra. Oswald de Andrade vive em seus bonecos. Se parece com eles. Essa constatação não é propriamente “incondicional”, vitoriosa. Mas é, em parte, muito verdadeira e de fácil poder observativo pro leitor agudo, perspicaz. Basta tomarmos como prova a figura simpática de Jorge de Alvelos, moço escultor, elegante, libertino etc.
Autobiografia?
Não. Não chego a tanto. Mas a figura é escandalosamente impressionante, viva.
Tão viva e tão verdadeira que a gente quase desconfia que ela é a encarnação do
próprio autor. Oswald vai seguindo, com um admirável jeito penetrativo de
anotador, o desenrolar dos fatos e das coisas. Sem enfarar. Deliciosamente. Sem
se preocupar muito com o final da história. Como quem diz: “no fim dá certo...”
Pra maior
documentação do que seja o “por dentro” de suas personagens Oswald de Andrade
não hesita em fornecer-nos detalhes da vida passada deles. A meninice de Jorge
no inexplorado Amazonas. Os bonequinhos de lama. Primeiros indícios de sua
patente vocação prá escultura.
“Ele era
como os rapazes da região que, estalada a puberdade, migram, deixando o
mulherio ficar numa prévia viuvez, de coxas ardentes e semiabertas, sonhando
casamentos absurdos e prostituições impossíveis.”
Temperamento
ultra - sensual (Freud...) de onanista insaciável. Etc. Decadência moral,
objetivada pelo excesso de “carícias habituais”. Esgotamento histérico. Nevrose
etc., e — daí a descoberta de um novo mundo nos seios “em pera”, pequenininhos,
de Alma. Elástica. Serpentina. Flexuosa. Pequena “escolada” enfim, como se diz.
Às vezes Oswald de Andrade abandona de lado o pessoal e cai, de prancha, num
estado passageiro de lirismo subconsciente. E faz poesia da boa, quase. Mal de
prosador poeta. (Plínio Salgado, por exemplo). Como naquele pedaço da romaria
em Pirapora. Negros dançando. Caracaxás. Pandeiros.
Um pouquinho
de tristura brasileira. Pra não perder o jeito de ser triste. Poesia?
“E o coral
empolgante, religioso, gritava de toda parte, por cem peitos metálicos de
fêmeas e de machos, num desfalecido estreitamento de ancas e de sexos”. Gozei à
beça com este pedaço. Oswald de Andrade não escreve por escrever, como qualquer
sujeito interessante não. Escreve afirmando tudo muito direitinho. Suas ideias
e conceitos emitidos. Sem titubear. Com firmeza. Porque sempre foi assim que
ele fez. Há pedaços fortíssimos no livro em que Oswald de Andrade se revela um
psicólogo formidável! Puro Rafael Lopez de Haro (com perdão dos senhores que
não vão à missa do já célebre romancista espanhol).
A linguagem
empregada no estrela de absinto é, sem dúvida, admirável.
E aí o autor
se afirma mesmo um dos melhores prosadores nacionais. Entre antigos e modernos.
Um livro
como este vale por duas vezes. Pela originalidade única do seu autor. E pelo
traço forte com que ele marcará, p’rás gerações vindouras, a espaventada
atitude de ousada independência espiritual de Oswald de Andrade.
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