5/31/2017

John Cornwell: "O Anjo de Darwin"


John Cornwell: "O Anjo de Darwin"

Li recentemente o livro "O Anjo de Darwin: Uma crítica seráfica a 'Deus, um Delírio'", de John Cornwell, publicado pela Editora Imago. Toda a obra funciona como uma espécie de “conselheiro seráfico” (de serafim, angelical) ao autor de “Deus, um Delírio”, o zoólogo inglês Richard Dawkins. Com esta proposta, Cornwell não se propõe a defender cegamente a religião ou a se colocar em defesa dos dogmas estabelecidos, mas se põe a favor de uma convivência pacífica entre ciência e religião, fato este que, para o fundamentalismo de Dawkins, parece impossível e indesejável. Vejamos alguns enxertos da referida obra:
"Algumas palavras, agora, sobre sua Utopia. Você fez uma promessa entusiástica de felicidade definitiva, contanto que seus leitores confiem em você. Você quer que eles acreditem em um paraíso que será deles quando a religião finalmente for varrida da face da Terra. Você lhes oferece uma versão da famosa canção de John Lennon, "Imagine":
"Imagine... um mundo sem religião. Imagine o mundo sem ataques suicidas, sem o 11/9, sem o 7/7 londrino, sem as Cruzadas, sem caça às bruxas... sem as guerras entre israelenses e palestinos, sem massacres sérvios/croatas/muçulmanos, sem a perseguição de judeus como 'assassinos de Cristo', sem os 'problemas' da Irlanda do Norte... sem o Talibã para explodir estátuas antigas...”
Sua lista me parece bastante boa (embora alguns dos seus exemplos possam ter sido o resultado de tensões seculares), mas ela omite dois períodos catastróficos da história recente: a União Soviética de Stalin e a Alemanha de Hitler. Talvez devêssemos nos preocupar o fato de o stalinismo e o nazismo terem revelado o tipo de mundo que surge quando a religião concorda não simplesmente com qualquer coisa, mas com a ciência como ideologia, combinada com ateísmo militante?
Você pretende de fato substituir a religião pela ciência, não é mesmo? "Se o desaparecimento de Deus deixar uma lacuna," você diz a seus leitores, "... Meu caminho inclui uma boa dose de ciência, o empenho honesto e sistemático de descobrir a verdade sobre o mundo real." Estarei eu detectando aqui um eco das palavras de Cristo: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida"?
[...]
Não deveria nos preocupar, no entanto, o fato de a ciência triunfalista ter se associado, no século passado, ao totalitarismo? Não deveríamos nos inquietar, mesmo só um pouquinho, por a ciência ter sustentado filosofias políticas que visavam escravizar a humanidade em lugar de promover a liberdade? Seria talvez o caso de ficarmos ansiosos com relação às tecnologias que a ciência gerou, causando a poluição do planeta a ponto de ameaçar sua própria sobrevivência? E o que dizer das armas de destruição em massa? Quanto às explicações, temos aquelas que as filosofias "cientísticas", materialistas e deterministas apresentaram defendendo a desconstrução da pessoa humana e do livre-arbítrio. Não deveríamos estar preocupados com tudo isso num mundo baseado na ciência e no ateísmo militante?".
...
"Você informa a seus leitores, com o nítido desmentido — "talvez por ingenuidade" — que tendeu para uma visão menos cínica da natureza humana do que a de Dostoiévski. "Será que realmente precisamos de policiamento — seja feito por Deus ou por nós mesmos — para que não nos comportemos de modo egoísta e criminoso? Quero muito acreditar que não preciso dessa vigilância — nem você, caro leitor."
Parece que há um mal-entendido entre você e o grande escritor, talvez em decorrência de sua interpretação equivocada da sua obra; talvez por você ter comparado antecedentes com experiência de vida. Você nunca passou uma temporada na prisão. Você caminhou, em jornada sem acidentes, do ensino elementar para a escola secundária particular, até Oxford, onde foi residente em boa parte de sua carreira e onde você consolidou sua visão essencialmente otimista do mundo.
Dostoiévski começou a escrever Os irmãos Karamazov em 1878, aos 57 anos de idade. Ainda em criança, sofreu a perda de seus pais (acredita-se que o pai foi assassinado) e na casa dos 30 esteve preso por cinco anos, incluindo vários meses no corredor da morte e quatro anos em um campo de trabalhos forçados. Era epiléptico, e sua saúde mental sofreu por ter sido submetido a uma execução simulada, ficando diante de um pelotão de fuzilamento para ser liberado só no último instante. Seu crime foi pertencer a uma sociedade secreta de cunho liberal.
Dostoiévski teve experiência direta com o sofrimento e a tragédia em altas doses: um campo de trabalhos russo, em meados do século XIX, superlotado, onde faltavam alimento e higiene e abundavam piolhos e doenças. Já na casa dos 40 tentava entender o sentido de toda aquela perversidade e violência, à luz da influência das ideias que vinham do Ocidente, que incluíam o Utilitarismo inglês de Bentham e Stuart Mill, o Marxismo Utópico e um conjunto de ideias que você teria aprovado — Darwinismo Social. Dostoiévski também lutava para compreender como o cristianismo podia resistir ao novo Niilismo Russo (que rejeitava todas as formas de religião, moralidade e política). Os conflitos e tensões entre essas ideologias rivais e a religião são, com efeito, dramatizadas em detalhes em seus grandes romances".

É isso!
Iba Mendes
São Paulo, 2013.

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