O caluniador, de Anton Tchekhov
Publicado originalmente na "Revista Fon-Fon", em sua edição de 17 de fevereiro de 1934. A pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica é de Iba Mendes (2016)
Publicado originalmente na "Revista Fon-Fon", em sua edição de 17 de fevereiro de 1934. A pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica é de Iba Mendes (2016)
O professor de caligrafia Sergey Kapitonech Akhineiev casava a sua filha Natália com o professor de história e geografia Ivan Petrovich Lochdinei. A festa se realizava no meio da maior alegria. No salão se cantava, jogava e dançava. Corriam de um lado para outro das salas os criados emprestados pelo clube, vestidos de negras casacas e brancas gravatas, bem sujas. Reinava em toda a casa alegre rumor de conversas.
O professor
de matemática Tarantuloff, o francês Padekoi e o inspetor de segunda classe
da Câmara de Comprovação, Egor Venedictech Mzda, sentados em fila no divã,
relatavam, um depois do outro, a alguns convidados, casos de enterrados vivos e
expunham a sua opinião sobre o espiritismo.
Nenhum dos três acreditava nisso, mas admitiam que neste mundo há muitas coisas
que a inteligência a humana não pode conceber.
Na sala
contígua, o professor de literatura Duduski explicava a outro grupo de
convidados os casos em que a sentinela pode atirar sobre os transeuntes.
As conversas, como veem eram espantosas, mas muito agradáveis. Pelas janelas
que davam para o pátio olhavam pessoas que, pela sua situação ou posição
social, não tinham o direito de entrar na casa.
À meia-noite
em ponto, o dono da casa, Akhineiev, entrou na cozinha para ver se estava tudo
em ordem para a ceia. Encontrou a cozinha cheia do agradável cheiro dos gansos
e patos assados. Sobre as mesas estavam expostos em artística desordem os zakuskas e as bebidas. Junto das mesas
passava e tornava a passar, muito atarefada, a cozinheira Marta, mulher
rubicunda, de volumoso ventre envolvido em faixas.
— Vamos ver,
querida, onde está o esturjão? — disse Khineiev esfregando as mãos e requebrando-se.
— Que cheiro magnífico! Eu sou capaz de comer toda a cozinha. Vamos, vamos, onde
está o esturjão?
Marta
aproximou-se de um dos bancos e cuidadosamente levantou uma folha de jornal
engordurado. Debaixo dessa folha, em enorme travessa, jazia um enorme esturjão enfeitado
com azeitonas, alcaparras e cenouras, Akhineiev contemplou o peixe e soltou um ah! O seu rosto resplandeceu e os olhos
se lhe acenderam. Inclinou-se e produziu com os lábios som igual ao de uma roda
sem sebo.
— Ah! Som de
um beijo apaixonado!... Marta, com quem te estás beijando por aí?
Ouviu-se uma
voz dizer isto da sala ao lado e à porta assomou a cabeça pelada do auxiliar Vankin.
— Com quem
te estás beijando? Muito bem! Com quem? Com Sergey Kapitonech? Fora com o avô! Tête-à-tête
com uma mulher!
— Eu não me
estou beijando com ninguém — respondeu Akhineiev, algo confuso. — Quem te disse
semelhante coisa, maluco? Fui eu que fiz com os lábios esse ruído, encantado
pelo esturjão.
— Não me
venhas com histórias!
Vankin
sorriu largamente e sumiu-se da porta. Akhineiev ficou vermelho.
— Que
bobagem! — pensou.
— Agora este
maroto vai sair com chocarrices... Esse animal vai me ridicularizar pela cidade
toda...
Akhineiev
entrou timidamente no salão e olhou Vankin de soslaio. Este estava de pé junto do
piano e, inclinado, em atitude decidida, dizia alguma coisa em voz em baixa à
cunhada do inspetor, que ria.
— Está
falando de mim — pensou Akhineiev. — De mim! Assim, maldito! E ela acredita!
Está rindo! Meu Deus! Não, isto não pode ficar assim!... De maneira alguma!
Tenho que arranjar as coisas de modo que ninguém acredite... Falarei com todos e
ele ficará sendo um estúpido mexeriqueiro.
Akhineiev coçou
a nuca e, sem deixar de estar confuso, aproximou-se de Padekoi.
Estive agora
mesmo na cozinha a dar ordens para a ceia — disse ao francês. — Creio que o
senhor gosta muito de peixe. Mandei preparar um esturjão de primeira! Tem duas
varas! Hé, hé, hé!... A propósito... Já me ia esquecendo. Com este esturjão ocorreu-me
agora, na cozinha, um caso divertido. Acabava eu de entrar na cozinha para
deitar uma olhadela no manjar... Ao contemplar o esturjão, fiz com os lábios um
ruído parecido com um beijo forte, ao ver como ele estava apetitoso, e nesse
momento entrou o imbecil do Vankin, que disse: “Ah! estão vocês se beijando por
aqui?” Com Marta, com a cozinheira!... Que coisas ocorrem a esse idiota! Essa
mulher não tem nem cara nem corpo! Parece um animal e ele... "Estão vocês
se beijando!” Que homem tão vulgar!
— Quem é
vulgar?! perguntou Tarantuloff, que deles se aproximou nesse Instante.
— Esse
Vankin. Entrei na cozinha...
E começou a
contar o sucedido.
— Fez-me rir
esse homem vulgar. Parece-me que é mais agradável beijar o cachorro do que
Marta — acrescentou Akhineiev, olhando em derredor e vendo Mzda atrás de si.
— Aqui
estamos falando de Vankin — disse-lhe. — Que tipo! Entrou na cozinha e me viu
junto de Marta; e toca a inventar coisas.
— Que disse
ele?
— “Vocês
estão se beijando?” Talvez esteja embriagado e por isso pensou ver que estávamos
nos beijando. Garanto que antes beijaria um peru do que Marta. Ademais, o idiota
sabe que sou casado. Que vontade tenho de rir!
Quem o fez
rir? — perguntou a Akhineiev, o professor de religião, unindo-se ao grupo.
— Vankin.
Estava eu na cozinha Vendo o esturjão...
Ao cabo de
uns vinte minutos, toda a gente estava inteirada da história de Vankin e do
esturjão.
— Que vá
agora contar! — pensou Akhineiev, esfregando as mãos. — Começará com as suas
tolices e todos logo lhe dirão: "Basta de maluquices, estúpido! Já sabemos
tudo!"
E Akhineiev se
tranquilizou a tal ponto que bebeu uns copos além do costume. Ao acompanhar
depois da ceia os recém-casados ao dormitório, foi em seguida para o seu quarto
e ficou dormindo como uma criança inocente, e no dia seguinte já não se
lembrava de mais nada da história do esturjão.
Mas o homem
põe e Deus dispõe. As más línguas fizeram das suas e de nada serviu a Akhineiev
a estratégia. Ao cabo de quatro semanas exatas,
precisamente na quarta-feira, após a terceira lição, quando Akhineiev se
dirigia para a sala dos professores e tratava das inclinações viciosas do aluno
Vesekin, dele se aproximou o diretor, que o chamou à parte.
— Trata-se
de Sergey Kapitonech — disse o diretor. — O senhor me desculpará... Não é coisa
minha... Sem dúvida, espero fazê-lo compreender... A minha obrigação... O
senhor verificará... Correm rumores de que o senhor vive com essa... com a
cozinheira... Não é coisa minha, mas... mas... O senhor vive com ela... Beijam-se...
Façam o que quiserem; mas, por favor, não o façam publicamente! Peço-lhe! Não
se esqueça de que é um pedagogo!
Akhineiev
ficou petrificado. Foi para casa tão dolorido como se o tivesse picado um
enxame de abelhas ou como se lhe tivessem despejado pela cabeça abaixo um balde
de água fervendo. Dirigiu-se para sua casa e pareceu-lhe que toda gente o
olhava como se tivesse untado de breu!... Em sua casa esperava-o nova desgraça.
—Por que não comes? — perguntou-lhe a esposa, à refeição. — Em que pensas? Nos amores? Estás apreciando menos a Marta? Sei de tudo, canalha! Houve boas almas que me abriram os olhos Uh!, uh, uh!... Miserável!
—Por que não comes? — perguntou-lhe a esposa, à refeição. — Em que pensas? Nos amores? Estás apreciando menos a Marta? Sei de tudo, canalha! Houve boas almas que me abriram os olhos Uh!, uh, uh!... Miserável!
E, zás, um bofetão
em pleno rosto. Akhineiev levantou-se da mesa e, tonto sem gorro nem capote,
partiu para a casa de Vankin. Justamente, o encontrou em casa.
—Canalha! És um canalha! — exclamou Akhineiev, dirigindo-se a Vankin. — Por que me enlameaste diante de toda a gente? Por que lançaste essa calúnia?
—Canalha! És um canalha! — exclamou Akhineiev, dirigindo-se a Vankin. — Por que me enlameaste diante de toda a gente? Por que lançaste essa calúnia?
—Que calúnia?
Que estás inventando?
— E quem tal
que fez correr a mentira de que eu beijei Marta? Tu te atreverás a dizer que
não foste tu bandido?
Vankin
pestanejou e agitou todo o seu rosto consumido; ergueu os olhos para o ícone e
disse:
— Que Deus
me castigue, que eu fique sem olhos, ou morra agora mesmo, se disse uma só
palavra a teu respeito!
A
sinceridade de Vankin não permitia a menor dúvida. Evidentemente não fora ele o
autor da calúnia.
—Mas, quem
teria dito? Quem? — pensava Akhineiev, passando em revista mental todos os seus
conhecidos e dando pancadas no peito. — Quem terá sido?
Quem terá
sido? — perguntamos nós também, ao leitor...
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