Hop-Frog, de Edgar Allan Poe
Tradução de 1941, por Lopes Gonçalves, com
adaptação ortográfica de Iba Mendes (2016).
Eu nunca vi pessoa tão divertida e tão dada a gracejos do que esse excelente rei. Ele só vivia para as farsas. Contar uma boa história alegre, contá-la bem, era o mais seguro caminho para alcançar a sua simpatia. Eis porque os seus sete ministros eram todos pessoas afamadas pela graça. Mediam-se todos pela bitola do patrão real — ampla corpulência, adiposidade, inimitável aptidão para o gracejo. Que as pessoas engordem devido à graça ou que haja na gordura qualquer coisa que pré-disponha à graça, eis uma questão que nunca pude decidir; mas é certo que um gracejador magro se pode chamar de rara avis in terris.
Quanto
atos refinamentos, ou sombras do espírito, como ele os chamava, o rei pouco se
importava com eles. O soberano tinha admiração especial pela largura da graça,
e a dirigia, mesmo, em cumprimento apenas por gostar dela. As delicadezas o
aborreciam. Teria preferido o Gargântua
de Rabelais ao Zadig de Voltaire, e
sobretudo as graças em ação é que satisfaziam ao seu gosto, muito mais do que
as em palavras.
Na época
em que se passa esta história os bobos de profissão ainda não haviam de todo
passado de moda na corte. Algumas das grandes potências continentais ainda
conservavam os seus bobos; eram infelizes, multicolores de roupas, enfeitados
com gorros cheios de guizos, e que deviam sempre estar prontos para fornecer, à
minuta, bons ditos subtis, em troca das migalhas que caíam da mesa real.
O nosso
rei tinha, naturalmente, o seu bobo. O fato é que ele sentia a necessidade de
alguma coisa no sentido da maluquice — pelo menos para contrabalançar a pesada
sabedoria dos sete sábios que o serviam como ministros — para se não falar dele.
Entretanto,
o seu bobo, o seu bufão de profissão, não era apenas um bobo. O seu valor
triplicara aos olhos do rei porque era ao mesmo tempo anão e coxo. Nesses
tempos os anões eram tão comuns na corte quanto os bobos; e vários monarcas
teriam tido dificuldades em passar o seu tempo — o tempo é mais comprido na corte
do que em qualquer outro lugar — sem um bufão para fazê-los rir, sem um anão
para rirem deste. Mas, como já observei, todos esses bufões, em noventa e nove
por cento dos casos, são gordos, redondos, maciços — de sorte que era para o nosso
rei ampla causa de orgulho possuir em Hop-Frog — era o nome do bobo — um triplo
tesouro numa só pessoa.
***
Creio que
o nome de Hop-Frog não era aquele com que o haviam batizado os seus padrinhos,
mas que lhe fora conferido pela unânime aprovação dos sete ministros devido à
sua impossibilidade de andar corno os outros homens.
Realmente
Hop-Frog só podia andar numa espécie de movimento interjecional — algo entre o saltar e o retorcer — e que era para o
rei motivo de perpétuo divertimento e, naturalmente, de gozo, pois, não
obstante a proeminência da sua pança e uma intumescência constitucional da
cabeça, o rei passava aos olhos de toda a sua corte por ser muito belo homem.
Mas
embora Hop-Frog, graças à distorção das pernas, só se pudesse mexer mui laboriosamente
por um caminho ou pelo soalho, a prodigiosa força muscular de que a natureza
dotara os seus braços o tornava apto a executar vários movimentos com espantosa
destreza, quando se tratava de árvores, de cordas ou do que quer que fosse onde
se pudesse trepar. Nesses exercícios parecia mais um esquilo ou um macaquinho
do que uma rã...
Eu não
saberia dizer precisamente de que país Hop-Frog era originário. Viera, sem
dúvida, de algum país bárbaro, do qual ninguém ouvira falar — a longa distância
da corte do nosso rei. Hop-Frog e uma moça um pouco menos anã do que ele — mas
admiravelmente bem proporcionada e excelente dançarina — haviam sido carregados
da sua terra, em províncias limítrofes, e enviados de presente ao rei por um
dos seus generais diletos da vitória.
Em tais
circunstâncias nada havia de espantoso no fato de ter surgido estreita
intimidade entre os dois pequenos cativos. Na verdade tornaram-se depressa
amigos firmes. Hop-Frog, conquanto, apesar de apreciado pelas suas bobices, não
era popular, não podia prestar grandes serviços a Tripeta; ela, ao contrário,
devido à sua graça e à sua esquisita beleza — de anã — era por todos admirada e
estimada; ela possuía, pois, muita influência, da qual jamais deixava de se
utilizar em benefício do seu caro Hop-Frog.
Numa
grande ocasião solene — não mais me lembro qual — o rei resolveu dar um grande
baile de máscaras; e cada vez que uma mascarada ou outra festa desse gênero se
verificava na corte, o talento de Hop-Frog e de Tripeta era requisitado.
Hop-Frog em particular, era todo inventivo em matéria de decorações, de tipos
novos e de fantasias para os bailes, de tal modo que parecia nada se poder
fazer sem a sua assistência.
Chegara a
noite da festa. Uma sala esplêndida fora arrumada, sob o parecer de Tripeta,
com toda a habilidade possível para dar brilho à mascarada. Toda a corte
esperava febrilmente. Quanto aos trajes e aos papeis, cada um, é claro,
procedera à sua escolha. Muitos haviam determinado os papéis que adotariam com
uma semana e até um mês de antecedência; em suma, em parte alguma havia
incerteza ou indecisão — exceto quanto ao rei e os seus sete ministros. Por que
hesitavam? Não sei dizê-lo — a menos que se não tratasse de mais uma matéria de
farsa. Provavelmente tornava-se-lhes difícil apanhar sua ideia porque eram tão
gordos! Fosse como fosse, o tempo fugia e, como derradeiro recurso, mandaram
chamar Trineta e Hop-Frog.
***
Quando os
dois pequenos amigos obedeceram à ordem do rei, encontraram-no a beber vinho magistralmente com os sete membros do conselho privado; mas o soberano
parecia estar de muito mau humor. Ele sabia que Hop-Frog temia o vinho, pois
esta bebida excitava o pobre capenga até à loucura; e a loucura não constitui
modo de bem sentir satisfação. Mas o rei adorava as próprias partidas e gostava
de forçar Hop-Frog a beber e — segundo a expressão real — a estar alegre.
— Vem cá,
Hop-Frog! — disse ale quando o bufão e a sua amiga entraram na sala. —
Engole-me esse copo à saúde dos teus amigos ausentes (aqui Hop-Freg suspirou) e
valhe-nos com a tua imaginação. Precisamos de tipos — de caracteres, meu velho!
— de algo novo extraordinário! — Estamos cansados desta eterna monotonia.
Vamos, bebe — o vinho iluminará o teu gênio!
Hop-Frog
esforçou-se, como de costume, para responder com uma piada ao rei: mas o
esforço foi muito grande. Era justamente o dia do nascimento do pobre anão;
aquela ordem de beber pelos seus amigos ausentes fez surgirem lágrimas em seus
olhos. Algumas largas gotas amargas caíram na taça enquanto ele a recebia
humildemente da mão do seu tirano.
Ah! Ah!
Ah! — rugiu o rei, enquanto o anão esvaziava a taça com repugnância. — Vê o que
pode fazer um copo de bom vinho! Eh! Os teus olhos já brilham!
Pobre
rapaz! Os seus amplos olhos mais faiscavam do que brilhavam, pois o efeito do
vinho sobre o seu excitante cérebro era tão poderoso quão instantâneo. Ele
colocou nervosamente a taça sobre a mesa e com um olhar fixo e quase louco
percorreu a assistência. Todos pareciam divertir-se prodigiosamente com a farsa
real.
— E
agora, ao trabalho! — disse o primeiro ministro, um homem gordíssimo.
— Sim! —
disse o rei. — Vamos! Hop-Frog, dá-nos o teu concurso. Tipos, meu bom rapaz!
Caracteres! Precisamos de caráter!
Todos nós temos necessidade! Ah! ah! ah!
E como este
visava seriamente a palavra importante, eles todos, os sete, fizeram coro ao
riso real. Hop-Frog riu também, mas de modo fraco e distraído.
— Vamos!
Vamos! — disse o rei com impaciência. — Será que nada encontras?
— Estou
procurando encontrar alguma coisa nova — repetiu o anão com ar vago, pois
estava de todo perturbado pelo vinho.
— Tu
procuras! — gritou o tirano, feroz. — Que entendes por isso? Ah! Compreendo.
Estás amuado! Queres mais vinho. Toma! Engole isto!
E encheu
nova taça e a estendeu ao coxo, que a olhou e respirou como que sufocado.
— Bebe,
digo-te! — gritou o monstro. — Ou então, pelo diabo!...
O anão
hesitava. O rei tornou-se purpúreo de raiva. Os cortezões sorriam cruelmente.
Tripeta, pálida como um cadáver, caminhou até a cadeira do monarca e,
ajoelhando-se diante dele, pediu-lhe que poupasse o seu amigo.
O tirano
a olhou por alguns instantes, evidentemente estupefato com tal audácia.
Parecia-lhe não saber nem o que dizer nem o que fazer — nem como exprimir a sua
indignação de modo suficiente. Por fim, sem pronunciar uma só sílaba,
empurrou-a violentamente e atirou-lhe no rosto o conteúdo de uma taça
transbordante.
A pobre
pequena se levantou como pôde e, sem mesmo ousar suspirar, retomou o lugar ao
pé da mesa.
Durante
meio minuto houve silêncio de morte, durante o qual ter-se-ia ouvido cair uma
folha, uma pluma. Esse silêncio foi interrompido por uma espécie de rangido
surdo, mas rouco e prolongado, que pareceu surgir de repente de todos os cantos
da sala.
***
—
Porque... porque... por que faz este barulho? — perguntou o rei, voltando-se
com fúria para o anão.
Este
parecia ter voltado de certo modo da sua embriaguez e, encarando, fixamente,
mas com tranquilidade o tirano, exclamou com simplicidade:
— Eu?...
eu? Como podia ter sido eu?...
— O som
pareceu-me vir de fora — observou um dos cortezões. — Penso que é o papagaio,
na janela, que esfrega o bico nas grades da gaiola.
— É
verdade — replicou o monarca, como que muito aliviado por essa ideia. — Mas, pela
minha honra de cavalheiro, eu seria capaz de jurar que era o ranger dos dentes
desse miserável.
Nesse
instante o anão- pôs-se a rir (o rei era um fascista assaz determinado para
retorquir o que quer que fosse ao riso) e apresentou uma larga, poderosa e
espantosa fileira de dentes. Mas ainda: declarou que estava pronto a beber
tanto vinho quanto quisessem. O monarca se acalmou e Hop-Frog, tendo bebido
nova taça sem o menor inconveniente, entrou de repente, e sem calor, no plano
da mascarada.
— Não
posso explicar — observou ele mui tranquilamente e como se jamais houvesse
bebido vinho em sua existência — como se operou essa associação de ideias; mas
logo depois de Vossa Majestade ter batido na pequena e lhe haver atirado o
vinho ao rosto, logo depois de Vossa Majestade ter feito isso, e enquanto o
papagaio fazia esse esquisito barulho por detrás da janela, veio-me à mente um
maravilhoso divertimento; é uma brincadeira da minha terra e frequentemente a
introduzimos nas nossas mascaradas; mas aqui seria absolutamente novo.
Infelizmente requer oito pessoas.
— Mas nós
somos oito! — exclamou o rei, rindo por essa subtil descoberta. — Precisamente
oito! Eu e os meus sete ministros! Bem! Mas como é a brincadeira?
—
Chamamos isso — disse o coxo — de Os oito
orangotangos encadeados. É, realmente, uma estupenda brincadeira quando bem
executada.
— Nós a
faremos — disse o rei, erguendo-se e abaixando as pálpebras.
— A
beleza da brincadeira — continuou Hop-Frog consiste no terror que causa às
mulheres.
— Ótimo!
— rugiram em coro o monarca e o seu ministério.
Serei eu
quem os vestirá de orangotangos — prosseguiu o anão. — Confiem em mim. A
semelhança será tão espantosa que todos os mascarados vos tomarão por
verdadeiros animais e, naturalmente, ficarão não só assombrados como
aterrorizados.
Oh!
Encantador! exclamou o rei. — Hop-Frog! Faremos de ti um homem!
— As
correntes têm por fim aumentar a desordem pelo seu barulho. Supor-se-á que
tenham fugido em massa dos guardas. Imagine Vossa Majestade o efeito produzido,
num baile de máscaras, por oito orangotangos encadeados, tomados pela maioria
da assistência por verdadeiros animais, precipitando-se com gritos selvagens através
de uma multidão de homens e mulheres elegantes e suntuosamente vestidos. Não há
contraste igual.
Assim
será! — disse o rei.
E o
conselho se levantou às pressas, pois ficava tarde, para pôr em execução o
plano de Hop-Frog.
***
O seu
modo de arranjar essa gente como orangotangos era muito simples, porém o
bastante para o seu propósito. Na época em que se passa esta história eram
vistos raramente animais de tal espécie nas diferentes partes do mundo
civilizado; e como as imitações feitas pelo anão eram suficientemente bestiais
e mais do que suficientemente hediondas, acreditou-se poder ter confiança na semelhança.
O rei e
os seus ministros foram, primeiramente, metidos em camisas e calças de tricô
colantes. Depois cobriu-se-os de alcatrão. Nesse ponto da operação alguém do
grupo lembrou a aplicação de plumas; mas isso foi logo repelido pelo anão, que
convenceu depressa os oito, por uma demonstração ocular, de que o pelo de um
animal como o orangotango ficava mais fielmente representado pelo linho. Por
conseguinte aplicou-se uma camada espessa sobre o alcatrão. Arranjou-se, então,
uma comprida corrente. Passou-se-a, em primeiro, em torno da cintura do rei,
atando-se-a bem; depois em torno de outro do bando, atando-se-a bem,
igualmente; depois sucessivamente em volta de cada um e da mesma maneira.
Quando todo esse arranjo com a corrente terminou, afastando-se um do outro
tanto quanto possível, o bando ficou formando um círculo; e, para concluir a
semelhança, Hop-Frog fez passar o resto da corrente através do círculo, nos dois
diâmetros, em ângulos retos, segundo o método hoje adotado pelos caçadores de
Bornéu que agarram chimpanzés ou outros grandes macacos.
A grande
sala na qual o baile ia verificar-se era uma peça circular, muito alta; recebia
a luz do sol por uma janela única, no teto. À noite — era a parte do dia em que
a sala tinha o seu destino especial — era iluminada principalmente por um
lustre, suspenso por uma corrente no centro do teto, e que se erguia ou
abaixava por meio de um contrapeso comum; mas para não prejudicar a elegância,
o contrapeso passava por fora da cúpula e por cima do teto.
A direção
do enfeite da sala fora entregue a Tripeta; mas em alguns detalhes esta fora
provavelmente guiada pelo calmo raciocínio do seu amigo anão. Era seguindo o
seu conselho que ela mandara suspender o lustre. O derretimento da cera, impossível
de se impedir em tão quente atmosfera, teria causado sérios estragos nas ricas toaletes
dos convidados que, dado estar a sala apinhada, nem todos poderiam evitar o
centro, isto é, a região do lustre. Novos candelabros foram colocados nas diferentes
partes da sala, fora do espaço ocupado pela assistência; e archotes, dos quais
se desprendiam perfumes agradáveis, foram postos um na mão direita das cariátides
que se erguiam junto à parede, em número de meia centena.
Os oito orangotangos,
a conselho de Hop-Frog, esperaram pacientemente, para entrar, que a sala
estivesse completamente cheia de mascarados, isto é, pela meia-noite. Tão logo
o relógio soou a hora e eis que eles se precipitaram, ou melhor, rolaram em
massa, pois atrapalhados, como estavam, pela corrente, alguns caíram e todos
tropeçaram ao entrar.
***
A
sensação entre os mascarados foi prodigiosa e alegrou o rei. Como se esperava,
foi enorme o número dos convidados que supuseram constituir esses seres de ar
feroz verdadeiros animais de certa espécie, provavelmente orangotangos mesmo.
Muitas mulheres perderam os sentidos, de pavor; e se o rei não tivesse tido a
precaução de proibir todas as armas, ele e os companheiros teriam pago a
brincadeira com o próprio sangue. Logo se verificou a fugida geral para todas
as partes; porém o rei havia dado ordem para que se as fechasse imediatamente
após a sua entrada, sendo as chaves, de acordo com os conselhos do anão, postas
nas mãos deste.
Enquanto
o tumulto estava no auge e cada mascarado só pensava na própria salvação, pois
havia verdadeiro perigo nesse pânico, ter-se-ia visto a corrente que servia
para suspender o lustre, e que havia sido igualmente retirado, descer até a sua
extremidade recurvada em gancho e chegar a três pés do chão.
Poucos
instantes depois, o rei e os seus sete amigos, tendo rolado através da sala em
todas as direções, se encontraram, enfim, no centro e em contato imediato com a
corrente do lustre. Enquanto eles estavam nesta posição, o anão, que sempre
caminhava junto deles, aconselhando-os a se não deixar levar pela comoção,
agarrou a corrente que as unia bem na interseção das duas partes diametrais.
Então, com a rapidez do pensamento, aí prendeu o gancho que de ordinário servia
para suspender o lustre; e num instante, retirado como que por um agente
invisível, a corrente subiu assaz alto para pôr o gancho fora de todo alcance,
e, consequentemente carregou es orangotangos todos de ima só vez, uns contra os
outros, cara a cara.
Os mascarados,
entrementes, mais ou menos se haviam refeito do alarme, e, como começassem a
tomar isso tudo por uma brincadeira previamente combinada, soltaram imensas
gargalhadas, vendo a posição dos macacos.
—
Guardem-nos bem, para mim, — gritou, então, Hop-Frog, e a sua voz penetrante se
fazia ouvir através do tumulto. — Guardem-nos bem, para mim. Creio que os
conheço, eu. Se eu puder vê-los bem, dir-vos-ei logo quem são.
Então,
trepando por cima de pessoas, manobrou de maneira a atingir a parede. Depois,
arrancando um archote de uma das cariátides, voltou, como fora, pari o centro
da sala, pulou com agilidade de macaco na cabeça do rei, e trepou um pouco na
corrente, abaixando o archote para examinar o grupo dos orangotangos, não
parando de gritar:
Descobrirei
já quem são.
E então,
enquanto toda a assistência, os macacos compreendidos, se torciam de tanto rir,
o bufão soltou, subitamente, um agudo assobio; a corrente subiu, rápida, cerca
de trinta pés, erguendo os orangotangos aterrorizados, que se debatiam, e
deixando-os suspensos no ar entre o teto e o chão. Hop-Frog, cavalgando a
corrente, subira com ela e mantinha sempre a sua posição em relação aos oito
máscaras, conservando o archote voltado para eles, como que a se esforçar para
descobrir quem eram.
Toda a
assistência ficou tão estupefata por esta ascensão que sobreveio silêncio
profundo durante um minuto. Logo foi ele interrompido por um barulho surdo, por
uma espécie de ranger rouco, como o que já havia chamado a atenção do rei e dos
seus conselheiros quando este atirara o vinho no rosto de Tripela. Mas agora
não se precisava procurar saber de onde partia o barulho. Ele partia dos dentes
do anão, que os fazia ranger como se os moesse na espuma da boca e lançava dos
olhos chispas de louca raiva para o rei e os seus sete companheiros, cujos
rostos estavam voltados para ele.
— Ah! Ah!
— disse, por fim, o anão, furibundo. — Ah! Ah! Começo a ver quem sejam essas
pessoas, agora!
Então, a
pretexto de examinar o rei mais de perto, aproximou o archote do traje de linho
de que aquele estava revestido e que instantaneamente se fundiu num lençol de
chama brilhante. Em menos de oito minutos os oito orangotangos ardiam
furiosamente, no meio dos gritos de uma multidão que os contemplava de baixo,
tomada de horror, impotente para lhes prestar o menor socorro.
As chamas
não tardaram a subitamente adquirir violência maior, forçando o bufão a subir
ainda mais um pouco na corrente, para ficar fora do alcance delas, e enquanto
executava essa manobra a multidão decaiu, por mais um instante, em silêncio. O
anão aproveitou: se da ocasião e tomou de novo a palavra:
— Agora —
disse ele — vejo distintamente de que espécie são estes mascarados. Vejo um
grande rei e os seus sete conselheiros privados; um rei que não tem escrúpulos
em bater numa moça sem defesa, e os seus sete conselheiros que o encorajam na
sua atrocidade. Quanto a mim, sou simplesmente Hop-Frog o bufão — e esta é a
minha última bufoneria!
Graças à
extrema combustibilidade do cânhamo e do algodão ao qual estava colado, a obra
de vingança do anão estava concluída logo após este ter dito a sua curta fala.
Os oito cadáveres balouçavam nas suas correntes — massa confusa, fétida,
fuliginosa, hedionda. O coxo atirou o archote sobre eles, trepou rapidamente
até o teto e desapareceu pelo buraco.
Supõe-se
que Tripeta, de sentinela no teto da sala, servira de cúmplice ao seu amigo
nessa vingança incendiária e que juntos fugiram para a terra onde nasceram,
pois nunca mais foram vistos.
Almanaque do Correio da Manhã, 1941.
Dear Iba Mendes:
ResponderExcluirGrato por postar esse conto de E.A.Poe; pensei q eu tivesse todas as obras desse escritor
mas no filme "A Mascara da Morte Escarlate" (Com Vincente Price [1964]) tem uma cena
vivendo esse conto e não consegui achar nos meus livros do escritor...
Sra. iba, todos ficamos gratos e a parabenizamos. Felicidades.
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