A queda da casa de Usher, de Edgar Allan Poe
Tradução anônima de 1929, com adaptação ortográfica de Iba Mendes
Era um
dia de outono lúgubre, sombrio e silencioso, desses em que as nuvens baixas
parecem pesar sobre nós. Eu tinha percorrido, só, a cavalo, grande extensão de
um terreno profundamente desolado e era quase noite quando cheguei à vista da melancólica
casa de Usher. Não sei dizer por que, ao primeiro olhar sobre essa casa, uma
sensação de torturante tristeza se apoderou de meu espírito, a despeito da
impressão quase agradável, que os cenários tétricos produzem em nós, em razão
de seu caráter poético.
Aquela
casa isolada e a paisagem tão característica, que a cercava, as paredes nuas,
as janelas, que pareciam olhos cegos, as árvores secas e desfolhadas dos arredores...
tudo isso produziu em mim uma depressão mental comparável à de um fumante de ópio,
quando, ao despertar de seu sonho mórbido, vê-se de novo em face das duras
realidades da vida.
Era uma
sensação tão nítida, tão forte, que me detive, a fim de refletir e ver se
descobria a causa, que assim agia sobre mim, quando eu contemplava a casa de
Usher. Mas o mistério se manteve impenetrável; por mais que refletisse, não
logrei dissipar as trevas que envolviam meu cérebro.
Consolei-me
afirmando a mim mesmo que as combinações de coisas naturais agem sobre nós por
processos que ultrapassam nosso poder de análise.
Mais ou
menos tranquilizado com esse raciocínio, levei o cavalo até um charco negro e lívido,
cuja água parada refletia a casa. E ali, o edifício com suas janelas vazias
ainda me pareceu mais funéreo.
Entretanto
eu vinha para passar ali algumas semanas. O proprietário, Roderik Usher, fora
um de meus melhores companheiros de infância... É verdade que se tinham passado
muitos anos sem que eu o visse; mas, ultimamente, uma carta sua viera surpreender-me
em minha longínqua morada, com um apelo tão instante e angustioso que a única
resposta só poderia ser minha ida imediata.
A letra dessa
missiva denunciava grande agitação nervosa. Roderik fanava em moléstia e
desordem mental, manifestando o mais ardente desejo de me ver a seu lado.
Essa
carta me comovera e intrigara porque, embora houvéssemos sido muito ligados na infância,
eu rouco conhecia sobre sua existência. Desde criança, ele fora muito pouco comunicativo.
Eu apenas sabia que sua família, desde tempos imemoriais, caracterizava-se por
uma extrema sensibilidade, que se manifestara em obras de arte superior e atos
de caridade tão magníficos como discretos e uma paixão quase doentia pela música.
Sabia, também,
que, desde sua origem, os Usher, salvo raras exceções, tinham um só filho.
Agora,
contemplando o estranho e impressionador horizonte, que circulava a casa dos
Usher, eu não podia deixar de estabelecer uma relação entre esse sombrio cenário
e o caráter da família, que ali vivia. Sim... Era de se jurar que essa casa e o
terreno, que a cercava estavam sob o peso de uma atmosfera que se exalava das árvores
secas, das paredes cinzentas e do charco imóvel, silencioso.
Esforcei-me
por afastar essa ideia supersticiosa e por examinar mais atentamente o aspecto
real da habitação. O que nela se notava, em primeiro lugar, era sua antiguidade.
Tudo nela parecia descorado pelos séculos, embora não apresentasse em parte alguma
indícios de ruína. Havia mesmo um singular contraste entre a extrema velhice de
seus detalhes e a impressão de solidez de seu conjunto. Notei apenas uma fresta
quase imperceptível, que riscava sua fachada de cima a baixo, perdendo-se nas águas
sinistras do charco.
Fazendo
essas observações percorri a cavalo uma pequena alameda calçada, que conduzia à
casa e, entregando o animal a um criado, que aparecera, penetrei em um vestíbulo
com abóbada gótica. Outro criado, com passos, que pareciam de veludo, guiou-me
em silêncio, através de vários corredores até o gabinete de trabalho...
Seria efeito
do estado de espírito em que eu me encontrava?... Por todo esse percurso,
pareceu-me que meus passos ressoavam, produzindo uma vibração fantástica nas
paredes e móveis. Quando subia uma escada, encontrei o médico da família, que
saía. Esse homem, ao ver-me, estremeceu... depois cumprimentou-me e seguiu.
Mas, no rápido instante em que o fitei vi em seu rosto uma expressão de
baixeza, astúcia... inquietação...
O chamado
"gabinete de trabalho" era uma sala enorme com teto muito alto. Tinha
várias janelas em ogiva, mas tão acima do soalho que não era possível chegar a
elas senão com o auxílio de uma escada. A luz, que penetrava pelos vitrais dessas
janelas, era tão vaga, que não permitia distinguir os cantos dos aposentos
envoltos em sombra. O mobiliário era valioso mas antigo e inconfortável. E ali,
como em toda a casa, uma tristeza austera, profunda, irremediável, penetrava
todos os objetos.
Ao ver-me
entrar, Usher ergueu-se do sofá, onde estava deitado e veio a meu encontro, com
manifestações de alegria tamanha, que me pareceu excessiva; mas seu olhar
denunciava uma absoluta sinceridade.
Sentei-me
a seu lado, sem ânimo para dizer coisa alguma, tão desfigurado encontrava seu
rosto. Nunca imaginara que um homem, moço como ele, pudesse mudar tanto em dez
ou doze anos! A tez cadavérica, os olhos claros a ponto de parecerem
transparentes e o desenvolvimento anormal da fronte formavam um conjunto
impressionador; porém o que mais me angustiava era sua lividez espectral e o
fulgor de seus olhos, acentuado pela sombra dos cabelos, que ele deixara
crescerem livremente e caíam de um e outro lado de seu rosto, tão finos como
teias de aranha.
Ele
fanava, com esforço visível, para dominar um estado de trepidação nervosa, decerto
habitual.
Foi assim
que me exprimiu os benefícios, que esperava de minha presença e me falou
longamente em sua enfermidade, tal como a imaginava Era — disse-me ele — um mal
constitucional e de família, do qual já desesperara de se curar... simples moléstia
nervosa — acrescentava logo, como se receasse assustar-me. Essa moléstia
manifestava-se por várias sensações fora das leis naturais.
Detalhou-me
algumas em termos tais que me alarmaram. Por exemplo: tinha uma tão excessiva
acuidade dos sentidos que não podia suportar alimentos senão quase totalmente
desprovidos de sabor; só tolerava roupa de tecidos muito macios; o perfume de
qualquer flor sufocava-o; a luz, por mais fraca que fosse, torturava seus olhos
e certos sons, especialmente os produzidos por instrumentos de corda, arrepiavam-no
todo.
Compreendi
desde logo que meu amigo se achava sob o domínio de um terror anormal.
— Eu
morro — dizia-me ele com voz surda. — Já
sei que estou condenado a morrer louco... Sim, sim... eu sinto que estou
caminhando para esse fim; porque, sem que haja razão alguma para isso, vivo com
medo.
— Medo de
que? — perguntei, para ver se lhe arrancava mais amplos esclarecimentos.
Roderik
começou a explicar, mas com tantas reticências e hesitações que mal pude
compreendê-lo.
Mas
imaginem minha surpresa, quando no meio dessas divagações incoerentes, ele me
falou, pela primeira vez, em sua irmã, atribuindo à enfermidade dessa jovem, a
causa primeira da depressão mental que o combalia.
Você
nunca me dissera que...
Que tinha
uma irmã?... Para quê? replicou ele tristemente. — Nunca soube por quanto tempo
a teria!... Madeline foi sempre a grande mágoa de minha vida. E sua morte, que
parece inevitável, deixar-me-á sozinho como último, fraco e desesperado
representante da raça dos Usher.
Quando ele
me faltava assim, lady Madeline passou pelo fundo do aposento, sem nos ver.
Observei, com surpresa estranha, aquela criatura, que deveria ser tuito bela,
mas, esquálida e descorada, tinha todo o aspecto de um fantasma, um ente irreal.
Quando ela
desapareceu atrás de uma pesada cortina, voltei-me para Roderik, porém ele ocultara
o rosto entre as mãos e apenas pude ver que se tornara ainda mais pálido e
havia lágrimas entre seus dedos.
Pelo que
me disse meu amigo, a moléstia de sua irmã desafiava a ciência de todos os médicos;
era uma espécie de apatia invencível, um esgotamento gradual, entrecortado por
acessos semelhantes aos de um epiléptico... Até então, ela resistira a esse mal
misterioso, de pé, mas na própria noite de minha chegada, Roderik comunicou -me
com grande agitação que, a despeito de toda sua coragem, ela tivera que se recolher
ao leito.
Durante
os seis dias, que se seguiram, Roderik nada mais me disse sobre lady Madeline e
manteve uma atitude de tal aflição que não me atrevi a interrogá-lo sobre esse
assunto, limitando-me a fazer o possível para distraí-lo.
Passávamos
horas inteiras pintando ou lendo, sentados um ao lado do outro; mas quanto mais
se restabelecia a intimidade entre nós, mais eu me convencia da inanidade de
meus esforços para tranquilizar um espírito cuja propriedade essencial parecia
ser uma melancolia sem tréguas.
As horas
menos angustiosas para Roderik eram as que ele passava desenhando. Colocava um maço
de folhas de papel diante de si e, rapidamente, como se estivesse dando conta de
uma tarefa urgente, riscava-as uma após outra, traçando coisas absolutamente
sem nexo... animais, paisagens, flores, figuras humanas, simples utensílios de
trabalho ou de mesa... Mas o que caracterizava cada uma dessas imagens tão
diversas era a infernal habilidade com que ele dava a todas um caráter
intensamente fantástico.
Quanto
lamento não haver trazido e conservado comigo, um, ao menos um desses desenhos,
que meu pobre amigo fazia em alguns minutos e atirava ao acaso, pelo chão. Só
assim poder-se-ia acreditar no que
estou dizendo; porque é verdadeiramente inacreditável que uma criatura tivesse
o dom de tornar trágico, alucinante, fantástico... não somente um rosto de
mulher, uma queda d'água ou uma árvore, mas um simples vaso para flores ou um
pote de barro.
Ele punha
em tudo quanto desenhava o horror prodigioso, a angústia torturada de seu cérebro
doente.
De todas
as suas obras a que mais me impressionou foi um pequeno quadro representando um
subterrâneo alongado a perder de vista, retangular, com paredes baixas e lisas,
sem o menor ornato arquitetônico. Sem que se soubesse por que, a um só olhar
tinha-se a impressão... mais do que isso... a certeza de que esse subterrâneo
era situado a uma espantosa profundidade e não se via nele saída alguma, nem óculo,
nem respiradouro... e contudo a luz o inundava amplamente, luz paradoxal e lívida.
Sem ânimo
para abandoná-lo naquele estado, mias receoso da atmosfera mórbida em que
vivia, tentei distrair-me, lendo; porém os livros que encontrei na biblioteca
da casa, não pareciam escolhidos para repousar o espírito e sim para agitá-lo...
Eram todos elucubrações escolásticas, lendas tétricas, ou histórias de
revelações, envultamentos, exorcismos, práticas de magia...
Vendo-me
rebuscar nas estantes, Roderik veio em meu auxilio e, tirando da mais alta
prateleira um pesado volume in-quarto,
com encadernação gótica, rara e curiosa, colocou-o diante de mim, dizendo:
Lê este. É
o meu predileto.
Olhei
para o título. Era em latim e dizia: "Vigílias
dos mortos, segundo o cântico da catedral de Mayence”.
Eu
conhecia a obra e, lembrando-me do sombrio ritual nela exposto, fiquei
indeciso, sem abri-lo.
Nesse
momento, sem transição alguma, Roderik comunicou-me que lady Madeline falecera
naquela noite. E declarou-me que ia conservar seu corpo, durante quinze dias,
em uma cripta aberta nas espessas muralhas da casa, antes de proceder à cerimônia
solene do enterramento. Para justificar essa decisão, alegou tão justa necessidade
de mandar prevenir parentes distantes, gale nada lhe objetei.
Ele quis também
que somente nós dois rendêssemos à nobre morta as últimas homenagens. Por isso,
naquela mesma noite, colocamos o corpo no féretro (que não vi quando trouxeram)
e nós mesmos o transportamos para seu lugar de provisório repouso.
Era nos subterrâneos
da casa, numa galeria tão úmida, que as lanternas ali colocadas mal brilhavam
no ar espesso. A despeito das voltas de uma escada e vários corredores,
pareceu-me que a cripta escolhida por meu amigo ficava exatamente por baixo de
meu quarto, embora a mais de dez metros de profundidade. A porta dessa cripta,
que devia ter sido utilizada como calabouço no tempo do feudalismo, era de
ferro maciço e seu enorme peso arrancava das dobradiças um rangido estridente.
Tendo deposto
o triste fardo no solo, erguemos a tampa do féretro para contemplar mais uma
vez o rosto de lady Madeline. Nunca, como então, fui impressionado pela
maravilhosa semelhança de seu rosto com o de seu irmão. Notei também que toda a
expressão de sofrimento desaparecera da fisionomia de lady Madeline e que ela
estava até menos pálida do que no dia em que a vira atravessar o gabinete de
trabalho.
Éramos gêmeos
— murmurou Roderik. — Eu não tardarei a segui-la.
Dito
isso, beijou-lhe a fronte, fechou o féretro com um cadeado, colocou-o na
cavidade da parede e, tendo fechado também a pesada porta da cripta, retomou o
caminho de seu aposento.
Cinco ou
seis dias se passaram e, depois desse período de silêncio e abatimento, Roderik
passou por uma mudança completa em seus hábitos e ocultações. Desenho, leitura,
palestra, tudo abandonou. Passava horas inteiras, errando pela casa, com passo
precipitado e desigual, mais pálido ainda se isso era possível — tendo nos
olhos dilatados uma expressão de angústia atenta,
como se estivesse vendo e ouvindo alguma cousa. Tendo-o já ouvido dizer que sua
moléstia se caracterizavam por uma inverossímil acuidade dos sentidos, prestei também
ouvidos... porém por mais que me esforçasse, não distingui nenhum ruído
anormal.
Tentei interrogá-lo.
Ele deteve minhas perguntas com um gesto impaciente, irritado, como quem diz:
"Não me interrompa!"
Talvez
sob o influxo dessa cena, na mesma noite, fechado em meu quarto, deitado, mas
sem poder conciliar o sono, senti-me de súbito assustado pelo próprio silêncio
do ambiente e, erguendo-me a meio, tentei penetrar com o olhar as sombras
opacas, que envolviam o fundo do quarto.
Então,
ouvi, primeiramente o lamento vago de uma tempestade ao longe, depois outros ruídos,
ruídos indefiníveis e que eu não lograva sequer localizar. Por isso mesmo, fui
invadido por uma onda de terror tão intenso, que saltei do leito e comecei a caminhar
pelo quarto, confiando em que o movimento acalmaria meus nervos. Quase no mesmo
instante ouvi a voz de Roderick chamar-me no corredor. Abri a porta e vi meu
amigo com uma lâmpada na mão.
A porta
deixava ouvir, agora, mais nítido, o rugir da tempestade, que aumentava de
instante a instante.
Antes que
eu lhe perguntasse alguma cousa, Roderik disse-me com voz trêmula e um olhar alucinado:
Estou com
tanto medo... tanto medo... que vim para junto de ti... Se tu pudesses me
impedir de... de pensar...
Acolhi-o
carinhosamente, cheio de piedade e, fazendo-o sentar-se junto de meu leito, propus-lhe
ler alguma cousa em voz alta para distraí-lo... Justamente tinha sobre a mesa
de cabeceira uma obra de sir Lancelot Canning, cheia de histórias quase infantis,
muito próprias para ocupar o espírito, sem fatigá-lo.
Abri o
livro no episódio em que o herói, Ethelred, tenta penetrar na morada fantástica
do eremita. E li:
Ethelred, que era animoso, não se deixou
intimidar com o aspecto formidável da singular morada e, erguendo sua massa de
armas, desferiu contra a porta tão rudes golpes, que não tardou a desconjuntá-la.
Então, segurando o fecho com as duas mãos, deu-lhe um empuxão bastante para fazê-la
cair por terra com um ruído surdo, que ecoou por toda a floresta.
Ao fim dessa
frase estremeci, por parecer-me ter ouvido, em qualquer ponto muito longínquo
da casa, o eco abafado e fraco de um rumor como o livro descrevia. Mas dando de
ombros e amaldiçoando a imaginação, que me fazia ter assim alucinações
auditivas, continuei:
Ethelred franqueou o limiar e, ao invés de
eremita, viu diante de si um dragão monstruoso, postado, como guarda invencível,
diante de uma segunda porta, sobre a qual estava pendente um escudo
deslumbrante.
O dragão avançou furioso. Etheired
vibrou-lhe na cabeça um golpe tão terrível, que o monstro se abateu a seus pés
com um rugido formidável...
De novo tive que deter a leitura, com verdadeiro
susto, porque, dessa vez, não podia ter dúvidas. No momento em que pronunciava
as últimas palavras, ouvira, positivamente ouvira um clamor abafado, distante...
mas que parecia e eco do grito do dragão.
E,
erguendo a cabeça, notei Roderick, com o olhar perdido no espaço, parecia mais
atento do que nunca, não a minha leitura, mas a qualquer coisa que...
— Você também
ouviu? — perguntei-lhe.
Como se despertasse
a minha voz, ele ergueu-se num salto e gemeu com voz precipitada e vacilante.
— Ah! meu
Deus!... Há quantos dias estou ouvindo. Julgava enganar-me, não queria
acreditar, mas agora não tenho mais dúvida... Nós a pusemos no sepulcro...
viva... Desde anteontem que eu a ouço mover-se no féretro... agora... a porta
que caiu foi a tampa do féretro... o rugido do dragão?... não... o que ouvimos
foi a porta de ferro... E agora... agora ela aí vem... subiu a escada e está diante daquela porta.
A
despeito do terror que suas palavras me causavam, a ansiedade foi mais forte e,
correndo à porta, abri-a. Os sentidos exacerbados de Roderick não o tinham iludido.
Lady Madeline ali estava; havia sangue em sua mortalha e a fadiga de seu rosto embaciado
denunciava os esforços sobre-humanos que tivera de fazer para fugir do túmulo.
Por um momento, cambaleante e trêmula, ficou de pé, fitando meu amigo; depois,
com um gemido breve e lamentoso, caiu. Seu irmão precipitara-se para ela e caiu
também sobre seu peito. Quando tentei socorrê-los, verifiquei que um e outro
tinham o coração imóvel. A morte levara-os juntos como juntos tinham chegado à vida.
Era
demais. Saí correndo como um louco, precipitei-me pelas escadas, abri a porta
principal e continuei a correr ao ar livre, a despeito da tempestade, que,
agora em seu apogeu, fustigava-me com a chuva e o vento, deslumbrava-me com os relâmpagos,
ensurdecia-me com os trovões. Ao fim de cem ou duzentos passos detive-me,
voltei-me. Um relâmpago permitiu-me ver
a casa de Usher, inteira, com seu reflexo no charco. E vi a fresta, a pequena
fresta quase imperceptível da fachada, alargar-se de súbito, alargar-se mais e
mais, abrindo a casa ao meio. Fechei os olhos.
Quando
tornei a abri-los, a luz de um novo relâmpago refletiu-se apenas na água lívida
e imóvel do charco, no qual toda a casa de Usher desaparecera.
"Eu Sei Tudo", abril de 1929.
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