(Adaptado de uma história que
ouvi tempos atrás)
Era dia de feira. O pai e o filho foram caminhando até à cidade a fim de comprar um
burro. Precisavam do animal para utilizá-lo de montaria como meio de
transporte.
Entre aqueles colocados à venda, um deles chamou-lhes a atenção pela profunda melancolia do olhar. O animal parecia humano e mirava-os como se lhes implorasse para ser comprado. O homem e o menino palestraram alguns instantes entre si, e, depois de um silêncio confuso e prolongado, foram até o proprietário que aceitou vender o animal pelo menor preço. Em seguida eles montaram no burro e seguiram de volta para casa.
Deixando a cidade adentraram num pequeno povoado que ficava bem à margem da estrada. Enquanto ali passavam, eis que uma velha senhora abriu subitamente a janela e gritou estupefata:
- Que absurdo! O burrinho não pode com os dois. Quanta
maldade, meu Deus, quanta maldade!...
Naquele instante um sentimento de
culpa dominava alma do pobre pai. Este, envergonhado de si mesmo, desceu do animal,
enquanto puxava-o com o filho montado.
Meia hora depois passavam ambos por
uma pequena colina à beira do caminho. Na varanda de uma casa, um homem barbudo,
que fumava um cachimbo sentado numa cadeira de balanço, ergueu-se encolerizado
e vociferou:
- Que ultraje! O filho montado e o pai andando! Que ultraje,
meu Deus, que ultraje!...
A censura daquele homem causou no
menino tão forte comoção que ele sentiu dentro de si como se estivesse
cometendo um crime contra o próprio pai. Desceu então do burro, enquanto o pai, por sua vez, montava
o animal e seguia adiante.
Andaram assim um pouco mais de meia hora. De longe avistaram uma antiga aldeia, cujas casas eram todas construídas de pau a pique. Ao passarem por ali foram surpreendidos por um homem gordo, o qual se colocou na frente do animal protestando:
- Que maldade! O pai montado e o
pobre filho andando. Que maldade, meu Deus, que maldade!...
Novamente a consciência do
pobre pai foi tomada por um duplo sentimento de remorso. Visivelmente abatido, ele
apeou do burro e seguiu andando juntamente com o filho, enquanto arrastava atrás
de si o confuso animal.
Era já tarde quando se
aproximavam do doce e aguardado lar. No horizonte o vermelho do sol parecia
anunciar uma noite longa e triste.
Ao passo que subiam a ladeira que dava para a casa, eis que a esposa vem-lhes ao encontro. Ao vê-los
andando e puxando o burro, ela interroga-os
em voz alta:
- Como pode isso? Os dois andando e
o burro caminhando! Que loucura, meu Deus, que loucura!...
O homem, que a esta altura se
perdia num emaranhado de pensamentos confusos, fitou-lhes os olhos e respondeu furioso:
- O quê agora? Vai querer que carreguemos o burro?
É isso!
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Por: Iba Mendes (2000)
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