3/21/2024

Chapeuzinho Vermelho (Conto), de Figueiredo Pimentel



 CHAPEUZINHO VERMELHO

Existia na capital de um país distante, uma meninazinha muito galante, muito linda.

Chamava-se Albertina, mas toda gente a conhecia por Naná. Sua avó estimava-a imensamente.

Esta boa avozinha, não sabendo mais o que inventar para alegrá-la, deu-lhe um chapeuzinho de veludo vermelho.

A pequenita ficou satisfeitíssima com seu novo chapéu, a ponto de não querer usar outro, e, como andasse constantemente com aquele, quando a viam aproximar-se, tão bonitinha, chamavam-lhe Chapeuzinho Vermelho.

Sua mãe e avó moravam a meia légua de distância uma da outra, e entre as duas habitações havia uma floresta.

Uma manhã, a mamãe disse para Naná:

- “Tua avozinha está doente e não pode vir ver-me. Eu também não posso ir lá. Assim, vai tu levar-lhe um bolo e uma garrafa de vinho. Toma cuidado: não quebres a garrafa, nem te divirtas em correr pela floresta. Segue sossegada pelo caminho, e volta depressa.”

- “Sim”, respondeu Chapeuzinho Vermelho. “Obedecê-la-ei, mamãe.”

Vestiu-se com aventalzinho muito limpo, colocou a garrafa numa cestinha, e seguiu contente.

Desobedecendo a mãe entrou num outro caminho para colher flores, quando a pareceu um lobo.

A menina não conhecia os lobos, e olhou para aquele sem receio algum.

- “Bom dia, pequeno Chapeuzinho Vermelho”, disse o lobo.

- “Bom dia, senhor”, respondeu Naná, delicadamente.

- “Onde vai tão cedo?”

- “Vou à casa da minha avó, que está doente.”

- “E leva-lhe alguma coisa?”

- “Sim um bolo e uma garrafa de vinho que mamãe mandou.”

- “Diga-me, minha interessante menina: onde mora sua avó? Quero ir vê-la também.”

- “Mora à beira da floresta, não muito longe daqui. Ao lado da casinha há árvores muito grandes e no jardim laranjeiras.”

- “Ah! tu é que és uma laranjinha muito apetitosa”, disse o lobo consigo mesmo, e acrescentou algo:

“Olha que lindas árvores e que lindos passarinhos! É na verdade um belo divertimento a gente passear na floresta, onde se encontram tão boas plantas medicinais.”

- “Sem dúvida alguma o senhor é médico”, replicou Albertina, “pois conhece as plantas medicinais.

Talvez pudesse indicar-me alguma, que fizessem bem à vovó.”

- “Perfeitamente, minha filha: aqui tem várias... esta, essas, aquel’outra...”

Mas todas as plantas que o lobo ia indicando eram venenosas.

A inocente criança, entretanto, colheu-as para levá-las à sua vovó.

- “Adeus, meu gentil Chapeuzinho Vermelho, estimei muito encontrar-me com você. Vou deixá-la, pesaroso, pois tenho que ir depressa ver alguns doentes.”

Assim falando, correu ràpidamente para a casa da velha, enquanto Naná se divertia colhendo as plantas que ele indicara.

Chegando à residência da velha senhora, achou a porta fechada e bateu.

A avó não podendo levantar-se da cama, falou:

- “Quem bate?”

- “É o pequeno Chapeuzinho Vermelho”, respondeu o lobo, mudando de voz, “mamãe mandou-lhe um bolo e uma garrafa de vinho.”

- “Entre minha netinha. A chave está aí em baixo da porta.”

O lobo encaminhou-se para a cama da doente.

Aí, engoliu-a de uma só vez, e, vestindo as roupas da velha, esperou deitado no leito.

Um instante depois chegou Albertina, que ficou admirada por ver a porta escancarada, sabendo o cuidado de sua avó.

O lobo tinha colocado uma touca na cabeça; apenas se percebia um pouco da sua cara.

Mas assim mesmo, o que se via era horroroso.

- “Ah, avozinha”, disse o pequeno Chapeuzinho Vermelho, “para que é que a senhora tem orelhas tão grandes?”

- “Para melhor te ouvir, minha neta.”

- “Para que tem braços tão compridos?”

- “Para melhor te abraçar, minha neta.”

- “Para que tem uma boca tão grande e dentes tão compridos?”

- “Para te comer...”

Dizendo isso, o lobo avançou para a desgraçada menina, e engoliu-a.

Achando-se plenamente satisfeito, adormeceu, e durante o sono ressonava terrivelmente.

Um caçador, passando por acaso perto da casinha, e ouvindo esse ruído extraordinário, disse:

- “A velhinha está talvez com um pesadelo. Quem sabe mesmo se não está mal? Vou ver se posso servir para alguma coisa.”

Entrou e descobriu o lobo estendido na cama.

- “Olé! Você por aqui! Há quanto tempo o procuro!”

Armou a espingarda, mas lembrou-se:

- “Não vejo a dona da casa, e bem pode ser que ele a tenha engolido viva.”

Então, com a sua faca de caça, abriu habilmente a barriga do lobo.

Apareceu Chapeuzinho Vermelho, que saltou no chão, exclamando:

- “Ah! que lugar terrível em que eu estava encerrada!”

A avó saiu também, muito satisfeita por tornar a ver o dia.

A fera continuava a dormir profundamente.

O caçador meteu-lhe duas pedras na barriga, e em seguida coseu a pele, ocultando-se depois com a avó e a neta.

Quando o lobo acordou, devorado por uma sede ardente, dirigiu-se para o tanque.

Enquanto caminhava ouviu as pedras batendo lá dentro, e ficou pasmado, sem saber o que era.

Chegando ao tanque, arrastado pelo peso das pedras, afogou-se.

Naná desde esse dia, vendo quanto é mau uma filha ser desobediente, prometeu nunca mais deixar de seguir as recomendações de sua mãe, e sempre cumpriu a promessa.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2024.

1/21/2024

Os filtros e o espelho (Opinião), por Iba Mendes



OS FILTROS E O ESPELHO

RETRATO
(Cecília Meireles)

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

O que leva uma pessoa a manipular uma fotografia a fim de “melhorar” sua aparência real?

Certamente muitas serão as justificativas e todas elas perfeitamente compreensíveis do ponto de vista da estética pessoal: para esconder uma espinha inconveniente, para ocultar uma cicatriz da infância, para  dirimir uma ruga indecente (ou várias delas), enfim, para “conseguir uma aparência perfeita”. Muitos, porém, vão mais além e buscam ampliar o tamanho dos olhos, afinar o nariz ou a cintura, aumentar a bunda, alargar as pernas, engrossar os lábios etc. Em outras palavras: buscam ser o que não são e o que jamais serão. 

A Psicologia parece abordar a questão pelo viés da  autoestima e alguns especilaistas até já tratam o problema como uma doença, a que denominam de "Transtorno Dismórfico Corporal", patologia essa que leva uma pessoa a se preocupar excessivamente com aquilo que considera um defeito no seu corpo, a ponto de evitar determinadas situações sociais e em casos extremos levar até ao isolamento. Nesse estado a pessoa fica obcecada pela aparência, e os chamados “filtros” transformam-se assim numa ferramenta “grandemente eficaz” para dirimir os efeitos mentalmente  “catastróficos”.   A indústria da estética, incluindo aí os diversos tratamentos e remédios, acaba sendo o passo seguinte, para quem pode, é claro. 

Eu, por mim, nunca conseguir entender como alguém pode sentir satisfação em camuflar sua verdadeira aparência. Não estou me referindo obviamente à maquiagem ou outros métodos tradicionais de embelezamento, mas à manipulação por meios artificiais digitais, como  no caso dos “filtros”. A frase “ficou linda (ou lindo), pena que te conheço pessoalmente” parece externar bem o que penso a respeito dessas manipulações artificiais.  Como conciliar a artificialidade com a realidade? Como lidar com um corpo artificialmente perfeito nas redes sociais e tê-lo exposto e totalmente nu diante de si mesmo ou perante os olhos de quem o conhece?  Como não se frustrar com o espelho? Eis a questão...


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Por: Iba Mendes. São Paulo, 2024.