Vendo-se obrigado a fazer uma longa viagem por
mar, a países desconhecidos, onde devia demorar-se algum tempo, um moço confiou
a um amigo o seu cachorro.
— "Olha, Manfredo", disse o rapaz à
despedida, "entrego-te o meu fiel Leão. É um animal dedicadíssimo como poucos,
cheio de abnegação e afeto. É feio e está velho, mas peço-te que trates dele
com todo o cuidado".
Manfredo era um estudante rico,, que vivia à
farta.
Trouxe Leão para casa e ao passo que o cachorro
ia pouco a pouco se lhe afeiçoando, ele aborrecia-o cada vez mais.
O cão tinha saudades do seu primeiro dono, e
por isso vivia tristemente pelos cantos da casa.
Comendo pouco, emagrecia sempre, e tornava-se
repugnante, cheio de lepra, com o pêlo a cair.
Manfredo procurava desembaraçar-se dele.
Levava-o para lugares distantes, fora da cidade,
e aí abandonava-o; dava-o a pessoas da roça, mas Leão fugia e voltava sempre
para casa.
Desesperado com aquela insistência, o estudante
resolveu matar o cachorro.
Uma tarde saiu de casa, chamando-o, festejando-o.
A beira da praia, tomou um bote e mandou remar
pela baía em fora.
Quando estava longe de terra, em lugar mais
profundo, agarrou de súbito o animal e arremessou-o à água.
Leão olhou-o tristemente, como querendo queixar-se
de tamanha ingratidão.
Manfredo voltou para terra, e saltou alegremente.
Chegando à casa, reparou que havia perdido a
corrente do relógio, de onde pendia uma medalha encerrando o retrato e os
cabelos de sua mãe morta — única relíquia que dela possuía.
O estudante, desesperado, maldisse de sua
sorte. À noite, deitado, não podia dormir, pensando na perda do precioso
objeto, que não daria por dinheiro algum.
De repente ouviu bater, arranhar a porta.
Abriu-a.
Recuou espantado.
Leão, entrava, exausto, arfando, todo encharcado
d’água.
Parou no meio do quarto, e deixou cair da boca
a medalha de Manfredo.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2025)